A morte se põe de luto, “Pena de Aço”, enquanto vestes azul, vermelho e branco
Nestor Mendes Jr.
O jornalista e escritor João Carlos Teixeira Gomes, Joca, o “Pena de Aço” nos deixou na noite de 18 de Junho, em aviso dado pelo nosso amigo comum, Mário Kertész. Só pediu, para a sua própria cerimônia do adeus, uma bandeira do Esporte Clube Bahia sobre o seu ataúde e uma placa em forma de epitáfio: “Aqui jaz o Pena de Aço”.
Para quem teve o prazer de conviver com ele e conhecer a batalha de sua vida inteira pela liberdade e contra a tirania, certamente fará falta entre os imprescindíveis deste mundo, de quem nos falou o poeta Bertolt Brecht.
Apesar de conhecê-lo por causa do nosso convívio jornalístico, através de amigos comuns, como Florisvaldo Mattos, Tasso Franco, Ruy Espinheira Filho, Samuel Celestino, Carlos Navarro, Fernando Vita, Paolo Marconi, Paulo Bina e Olívia Soares, passei a ter uma relação mais direta e aproximada com ele por causa de uma grande paixão compartilhada: o Esporte Clube Bahia.
Quando escrevia “Bahia Esporte Clube da Felicidade”, lançado em 2001, e que contava a história de 70 anos do Esquadrão de Aço, fiz algumas entrevistas com o “Pena de Aço” para que ele me contasse sobre Teixeira Gomes, seu pai, e primeiro guarda-metas do time com as cores e o nome da Bahia, fundado em 01 de Janeiro de 1931 – cinco anos antes do nascimento dele, em 9 de março de 1936.
Contou-me que o arqueiro José Teixeira Gomes conhecera sua futura esposa, Célia, depois de tomar um frango e escapar do linchamento da torcida. João Oliveira, pai de Célia, foi o empresário que fundou e construiu o imponente e luxuoso Cine Jandaia, na Baixa dos Sapateiros. Ele morava na Vitória e gostava de ir de automóvel, com as filhas, para ver o futebol. Os veículos tinham acesso ao Campo da Graça – eram vendidos ingressos para sombra, arquibancada, geral e automóvel.
Em um desses matches, o esquentado goalkeeper Teixeira Gomes tomou um gol fácil – um “frango”, no linguajar futebolês – e foi vaiado pela torcida. Em retribuição, distribuiu “bananas” para a plateia. O pau comeu e o goleiro do Tricolor teve que se refugiar justamente no automóvel de João Oliveira, seu futuro sogro e pai de Célia. E confirmou o provérbio que Eça de Queirós utilizou em Os Maias: “Infeliz no jogo, feliz no amor”.
E desse amor, que vicejou em uma peleja futebolística, nasceu João Carlos Teixeira Gomes, parceiro de Glauber Rocha e do poeta Florisvaldo Mattos, expoente entre os poetas e intelectuais da Geração Mapa, e o jornalista que desafiou, com a sua coragem e a sua “pena de aço”, o poderoso governador ACM – apelidado de Toninho Malvadeza – armando sua trincheira heroica nas páginas do Jornal da Bahia.
E, tempos depois, em mais uma batalha épica, como se fosse um Dom Quixote que não admite nunca o retiro, muito contribuiu, com o seu aríete preciso e demolidor, para derrubar a ditadura encastelada por quase 25 anos no Esporte Clube Bahia.
Chegou a ser processado pelo incompetente ditadorzinho no comando do clube por causa de um dos artigos – “Como Salvar o Bahia” – publicado em A Tarde, no dia 17 de outubro de 2009. O “Pena de Aço” disse lamentar “que o clube tenha chegado ao nível da humilhação a que foi atirado pelas administrações que o desmoralizam há tantos anos consecutivos”.
“Lançaram o Bahia em todas as divisões anteriores, não conseguem ganhar nem o campeonato baiano, fazem contratações desastrosas (como a de Paulo Carneiro, confissão de falência de comando), jamais conseguiram armar um time digno, estão alienando todo o patrimônio sem construir coisa alguma, as rendas dos jogos somem pelos ralos (ou pelos bolsos), as contas (irregulares) vivem sob suspeita, como provou A Tarde em recente reportagem”, disparou Joca no seu petardo fulminante.
Quatro anos depois, no dia 17 de agosto de 2013, João Carlos Teixeira Gomes estava entre os presentes na Assembleia Geral, na Fonte Nova, que libertou o Esporte Clube Bahia dos grilhões do arbítrio, do atraso e das gestões temerárias, determinando, a partir daquela data, eleições gerais, pelo voto direto dos sócios, do presidente do time mais amado da Bahia.
E tudo o que Joca disse no seu artigo de 2009 foi provado cabalmente por uma auditoria nas contas do clube, empreendida pelo interventor Carlos Rátis e, depois, continuada pelo primeiro presidente eleito democraticamente, Fernando Schmidt.
Portanto, o “Pena de Aço” venceu a derradeira batalha de sua vida de cavaleiro andante, audacioso e destemido. No poema “Soneto da morte sem susto”, ele escreveu:
“Minha única certeza é minha morte.
Virá festiva, com pendões vermelhos,
Provocadora com seu riso forte.
Mas me verá de pé, não de joelhos.
Pode vir de mansinho a forasteira
Ou numa orgia de ossos e fanfarras,
Com dois laços de fita na caveira
E o ágil chocalhar das finas garras.
Eu que os mares amei, e o sol tirânico,
Os flavos grauçás de dorso enxuto,
As moças de maiô e o vento atlântico,
Sereno hei de esperá-la em meu reduto.
E assim ao ver-me, sem sinal de pânico,
A própria morte se porá de luto”.
A morte já se pôs de luto, querido “Pena de Aço”, enquanto você veste, de pé, garbosamente, o azul, o vermelho e o branco: as cores triunfantes e festivas da nossa imorredoura paixão, o Esquadrão de Aço.
Nestor Mendes Jr. é jornalista, autor de “Nunca Mais! 25 Anos de Luta Pela Liberdade no Esporte Clube Bahia”.