Acontecimentos extraordinários
Gerson Brasil
Secretário de Redação da Tribuna
Acontecimentos extraordinários não são freqüentes, quer ordinário, de ratio, ou sensorial, como almeja o misticismo e as visões religiosas de completude, sobretudo neste vasto campo chamado de social, cuja grande proeza foi moldar aos acontecimentos o desejo de serem miríades, com o hedonismo parvo, ou melhor, no esforço, na convicção de dizer aquilo que não será dito, correndo o risco de ficar para sempre calado, em razão talvez do “enfraquecimento da sensibilidade e a bancarrota do talento não mais o permitirem”, na observação desprendida de Proust.
Mas os acontecimentos ordinários são frequentes, e quer lá, por isto ou aquilo, se fazem acompanhar em ocasiões do extra, não a sobra, nem a magnitude, mas o extraordinário.
Jair imitando a si mesmo, como se fosse um ventríloquo, que alguém, por descuido ou solicitude, no esquecimento, não o desligou. Um paradoxo que se sustenta no ar, amparado pela sandice e não por virtude, se é que existe, ou se encontra depositada na própria sandice.
E como se trata de imitação, as coisas são sempre ditas repetidamente. A segurança das urnas e o embate com o STF, na contribuição de declarações desarrazoadas da corte a tornar a imitação mais frequente.
As pesquisas também habitam o extraordinário, a indicar esse ou aquele movimento do eleitor, vinculado a Lula ou a Bolsonaro, mas com reparos dotados de concretude, como o lendário voto feminino, por escolaridade e outras esteiras, onde se abrigam interpretações, normalmente extravagantes.
Institutos não faltam, muito menos o método, e ainda há aquelas pesquisas para o “consumo interno”, mas são divulgadas (ao lado daquelas que fazem registros), emprestando aos números extraordinárias convicções, guardadas na alma do eleitor.
Esse mesmo eleitor injuriado com o preço da gasolina, do diesel, dos alimentos, perdido numa espiral de aumentos, sem que saiba quando vão descer, aposentar os reajustes e tornarem-se novamente dóceis ao bolso. É a economia, aparentemente, imune às pesquisas, com o pão corpos à frente do voto.
Extraordinária também é a retórica lulista num zigue- zague de fazer tremer a los ninos e ninas, quer por descuido ou por birra estejam no caminho.
Esquisitices como “vamos desarvermelhar”, falar para o centro, como se fosse possível criar uma burla só para converter os católicos, que de repente passariam a ver na cruz a estrela vermelha, com a ajuda do cientificismo do marketing querendo negar o que existe e explicar o que não existe, num balaio de interpretações.
O ordinário é do cotidiano, assim como também a razão, a fé e o El estado del arte, e só se torna extraordinário quando a imaginação quer saltar estações onde o trem nem passou ainda e não se sabe se haverá e qual o destino, mas existe a certeza de que o trem e o horário estão combinados.
Em Histórias Extraordinárias, Edgar Allan Poe, no conto, “Os crimes da Rua Morgue”, pontua declarações de várias pessoas a respeito de um crime, cujas descrições são extraordinárias, paradoxos ou burlas. Uma delas disse ter ouvido uma voz, mas não sabia se era de homem ou de mulher, mas falava em italiano. Língua que desconhecia. Outra afirmou que ouviu uma discussão, que uma das vozes falava em alemão, mas não sabia alemão. Outra testemunha disse ter ouvido uma voz, mas não sabia o que dizia, mas falava em espanhol. Eleições pertencem ao calendário, ou deveriam pertencer, mas a de presidente da República tornou-se extraordinária.