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A casa da reunião pigarrenta

Gerson Brasil, jornalista e escritor

gersonbrasil@gmail.com

A reunião era presente, alguns não faziam parte da casa, mas não estavam emprestados, eram agasalhados dado a proximidade das cozinhas, a estabelecer um comércio equilibrado, com sobras e ausências vigiando o esquecimento e evitando os pratos se tornarem mudos, mas galhardos nos estampados em azuis, vermelhos, terracota, amarelos de rouquidão.

Alberto Monteiro era tio e irmão, mas não tinha cadeira, nem aquelas que foram improvisadas eram capazes de o fazer ressoar. Bastava o nome e a presença, procurar casualidades e explicações alongava o tempo e encurtava os assuntos, aos quais se devia uma estreita obediência, imaginação açodada, embora religiosa, mas pouco importa, se nesses tempos de baixa umidade a decência é rarefeita e descaradamente ignora os calendários.

Reunidos, não tinham a altura dos quadros a liberar pequenos espaços das paredes, como se propositadamente a deixassem respirar e ao mesmo tempo repaginando-a, entregando azuis matizados e outros competidores, alimentando a esperança de serem loquazes, mas fora da possibilidade de encapsular moradores e visitantes, adjuntos e aqueles emprestados, mas na comunhão.

Os Guillermos receberam os vãos multiplicados, tomados por papel de parede com as inúmeras assinaturas de artistas nas borboletas, peixes e na biblioteca insetos, principalmente escorpiões e lacraias. Alfonso Reys como uma fita métrica criticou a estética do lugar, empregando argumentos de texturas aplicados às tintas e desenhos capazes de rivalizar e até serem comprados ou pedidos emprestados por algum museu, agradecido pela informação que lhe alcançara, no prazeroso subterfúgio.

Reys não fora longe e as observações se esquivaram, mãos dadas, partiram, antes, desceram os degraus da porta da frente, quatro, educadamente deitados.

Pressentiram que o silêncio voraz traria grossas tintas de palavras, que tornariam Reys companheiro de cela de um mafioso ou de um compradito infame. Ciertas cosas no se pueden ver en la oscuridad y las adivinaciones no revelan sueños, suceden por casualidad.

Quem agradecia era um dos empregados da grande casa; uma rápida espanada nos livros e onde a mão alcançasse o papel, a tarefa estava concluída, bem concluída, maximamente concluída. Não havia garantia, nem reconhecimento, mesmo que fosse inoportuno. O que estava certo, estava certo. Aferições, provas, contraprovas, contracenavam em outros cenários, possivelmente de mau gosto.

Não havia mofo, os riscos se escondiam, na pressuposição da presença, e as rachaduras, inteligentemente, repousavam entre a parede e o papel, ou seja, fora de alguma aflição, ou desespero, a requerer uma intervenção sórdida, apoiada numa razia fora do merecimento, mas coetânea ao medo, igual a mentira pregada pelo espelho, sem que seja possível dar-lhe um castigo.

 A senhora Martinez de Guadalupe precipitou o murmúrio, “sei, envelheço, mas não descubro nenhuma palidez e nem adianta olhar pelo anverso; sopas cremes, banhos e o elogio de Thomas tomo-os junto com a droga para dormir, mamãe chamava de pílula, antes de fazer sexo com papai, agora são ‘meus remédios’, hora dessas pergunto se o anonimato a protegia melhor da fadiga a elidir o sono, ou a fadiga de aborrecimentos de papai”.

A chuva não fora convidada, a aderência do sol indeferida, a tia e o sobrinho desfrutavam dos móveis a lhes emprestar uma existência suportável, e insistentemente, e também inutilmente, buscavam a expectativa de fazer registro. Não eram hipócritas, fora de elipse, e descuravam dos ateus. Inexistia faca ou paralelepípedo se interpondo nas frases, não causavam danos à casa, mas a pertinência da aceitação estava suspensa.

Os empregados se incorporaram aos móveis, corredores, aposentos, varandas, e às malditas escadas, não foram tomadas como agregadas, como o piano, cujo dono, se esqueceu de recolhê-lo propositadamente, era temido na sala, embora não impusesse obstáculos às teclas. Uma casa é cansativa, em um acre de terra rivaliza com a espera de que algo faça sentido, soterrando os mesmos passos, almofadas carinhosas, mas malcriadas, ouviam todas as conversas, os repúdios, as injúrias e as mentiras, até aquelas fora dos espelhos.

Talvez fosse necessário fazer um inventário de todas as conversas, comentários, xingamentos educadamente acolhidos pelas cortinas da cozinha, na companhia da luz fraca, mas não claudicante, a fazer-se distinguir o pão da manteiga, os legumes das frutas e o café do chá, mas sem a garantia de que seriam devolvidos com exasperação, porque as mãos de Gaudalupe estavam trêmulas bem distante da medicina terrena, colhida em hospitais e farmacêuticas.

Certa vez a ideia se postou bem vestida, afastando intimidações falsas e pretensões de difícil caráter e aleatoriamente, da cabeça, ou da testa ou da boca, incerto registro; numa casa de várias casas e várias gentes, chegou à analogia com o homem da mão de ferro.

Evitaria os tremores, afastando o risco de as louças tomarem o assoalho como insuportáveis; sem observar que a crença e a imaginação podem ser tão benéficas, como uma martelada no joelho. Quando se é dono de uma casa grande que fita a cidade, o emprego das obsessões dispensa as dúvidas e se alguma contestação se traduz arrivista é um desrespeito, fosse uma ponderação médica ou a infernal letra do juiz, haveria de ser contradita.

A mão de ferro não foi bem recebida e logo trocada, com muita pressa, para manter a originalidade, por uma de alumínio, material nobre, de pouco peso e brilhante, à altura da casa. Alguém sugeriu que atarraxassem os punhos com uma plaqueta de ferro, piccola. O tremor se despediu do trem, que partiu em direção aos alpes, e as mãos prescindiram da imitação, ficaram depositadas no sofá, à espera da próxima reunião, afinal era preciso preservar a casa.

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