A Rosa
Não sei se é loucura ou uma viagem ultra galáctica, ou mesmo parte de uma esquizofrenia existencial, mas passei a tarde com uma flor. Era o meio de uma agradável tarde de primavera. Das lascas farpadas de uma cerca de quintal pendia um delicado galho de roseira. Rosas rosa; um cacho numa ponta e uma solitária e exibida mais acima, à altura do meu rosto. Acredite, ela olhou para mim. Olhou e sorriu. Não, não foi uma visão mística, ou a sobreposição de alguma imagem com um rosto humano, nem foi um surto psicótico, eu estava bem. Eram cerca de sete lóbulos de bordos denteados simetricamente encaixados, fazendo com que seus contornos se harmonizassem como a métrica de uma bela canção. Perfeita. Singela. Um poema. O ovário ínfero estava em plena atividade; o perfume infestava o ar ostensivamente, inebriante; um assédio, impossível não se encantar. Viço em cada pétala; seda fina, veludo delicado. Estava posto que o acaso não morava ali, bem como não estava diante de mim um ser inanimado. Aquela rosa falava; não, cantava, e como era linda a melodia. As notas eram longas e altas, dissonantes, como uma música elaborada. Fixei nela os meus sentidos; todos eles, e interagi. Ouvi sem interromper o seu cantar, e me impressionei com a letra, a mensagem que ela transmitia. Falava de beleza, de leveza, de riqueza, de delicadeza e paz. Dela emanava virtude, uma alegria indizível, e algo que nunca tinha notado em nenhuma outra flor: personalidade, um “Q” que a distinguia das milhares; uma nobreza intrínseca, realeza veraz, diante da qual plebeus se curvam em reverência. Sim, reverentemente, fiquei ali minutos, horas, não sei, ouvindo sabedoria, recebendo conselhos, vendo o belo em essência, sentindo o amor entrar pelas narinas. O movimento brusco da vida comum me quebrou o encanto, levou-me de volta à realidade dura e pobre. Dei as costas a uma cerca de onde pendia um ramo de rosa.
Itamar Bezerra.