De súbito seria o ideal, a conta gotas um martírio
Gerson Brasil
Lívia Veiga
Peggy, o Estevão é tarado? Bom, até agora, me parece, tem ficha limpa na praça e conta com o álibi de ser engenheiro, bem posto, naquela empresa cujos donos mantêm proximidade com o poder, suficiente a lhes garantir obras e bom faturamento; a imprensa vez por outra implica, mas como sempre é a imprensa. O jornal tem de sair no dia seguinte e seguinte, do contrário o leitor, hipócrita, estrila e os anunciantes viram as costas, e logo a notícia sairá nos concorrentes, que vão contar a história da derrocada durante uma semana, com direito a reprise, na semana vindoura. Ontem, não lembro bem, talvez tenha sido na terça-feira, estamos na quinta, sei, porque amanhã tenho dentista, Estevão me telefonou.
Sem prólogo, começou a me elogiar como se tivesse há muito me vigiado, tomado anotações, comparando-as com alguém, ou algum personagem dos livros que lê, ou talvez por pura pirraça. Difícil adivinhar qual a estratégia que usava. Li certa vez que a oratória foi inventada para distrair o ouvinte do significado das palavras, uma espécie de encantamento bem urdido. A literatura é mestre nessa invenção, começa com uma oração simples e depois acrescenta extensões e pretensamente são encerradas na página 720.
Conheço Estevão e os suspiros que o rodeiam, por isso tomei como surpresa a meia volta em minha direção. Gosto de ver filmes antigos, em PB, aprecio a galanteria, mas Até Alice de Lewis Carroll se aborreceu e acordou de repente.
Sou dada a formalidades, a prudência é um exigência saudável e não compartilho dos abraços de Abraão e Jacó mui “diligentemente” dirigidos às moças da época.
Quando o telefone tocou, ainda estava nua, pós banho e cuidava das unhas do pé, sempre uma carniça; e quando me dei conta, elogiava a maneira como falo, a sintaxe e os substantivos e advérbios bem colocados, chegou até mencionar a retórica, afirmando ser próxima ao latim, e a garantir platéia, sem constranger o ouvinte, apenas roçando as palavras e sempre desdobrando os enunciados, que nunca param de se constituir. “Ditas por você, as palavras guardam sabor e sapiência e sopram uma vita nueva, poucas e raras vezes conjugadas numa mesma persona”; Fiquei pasma e mal dobrei a esquina a análise recaiu sobre minhas pernas e coxas, lisas, alvaiade e proto intumescidas, a suscitar, uma mordida, quem sabe para marcar, anil, lilás ou ressaltar o vermelho das veias, facultando uma descarga, breve e ligeira a untar pelos, se por ventura existentes.
chica, soy blanca y rubia, embora a moçada insista em me infligir um ancestral africano, sempre ele e a imaginação desmesurada, a povoar o imaginário. Mas sou branca, o que me coloca em terras geladas, distante dos vulcões temperados e retemperados nas praias com a cumplicidade dos biquínis. Não gosto de sol e não é preciso ajoelhar sobre o milho, mas confesso, minha tabaca ardeu em chamas, um relógio destrambelhado seria um fraco concorrente, fiquei untada do ilíaco para baixo, pronto para ser servida de súbito, a conta gotas seria um martírio, risos.
Gerson Brasil, jornalista e escritor