Colunistas

Enterrando o cadáver

É comovente e dramática a situação de uma família que perde um de seus membros queridos, às vezes de forma trágica e repentina, inesperada, e o vela numa sala apropriada, por horas eternas, na companhia de amigos e outros parentes, até que chegue o traumático momento do sepultamento. Não tem jeito, não podia ser diferente, é sempre um instante lancinante de dor e lembranças sofridas, ainda que o falecido já venha preparando todos para a sua morte, por alguma enfermidade prolongada ou degenerativa. Quando o passamento ocorrer, ninguém estará “preparado” para isso. Ali está inerte alguém bem querido, numa aura de história, lembranças, convivência, relações, ligações que se encerram. Mas uma verdade nua e dura está patente nessa cena: Por mais rica que tenha sido a história do que se foi, por mais amor que aí esteja envolvido, por mais que se queira eternizar aquele momento solene, ou permanecer o máximo de tempo ao lado do seu ente amado, vai chegar a hora em que ele terá de ser enterrado. E esse é um princípio que vale para outras realidades da vida. Quando algo, de fato, morre, por mais precioso que seja ou tenha sido, precisa ser sepultado; do contrário, vai cheirar mal, vai ficar insuportável. Há situações que assaltam a nossa vida, nas quais depositamos energias e múltiplas paixões, e se mostram como quadros de morte, altamente prejudiciais à nossa saúde psíquica, emocional, física e espiritual, e somos chamados a decidir, ou morremos junto. É preciso criar coragem e tomar a difícil decisão de sepultar o que não tem mais jeito. Não podemos morrer com o morto, ou sermos sepultados com o defunto. As dores nos pertencem, são aquisições ou heranças que acolhemos, temos direitos sobre elas, são nossas, estão inseridas em nossa alma, impregnadas em nosso ser, são verdades plenas e não podem ser subtraídas por terceiros. Uma mágoa, por exemplo, nunca é pequena ou falsa, ela é imensa, dolorida, verdadeira e intransferível, mas uma vez instalada na alma, inicia-se o processo de morte do proprietário. Dizem que o ressentimento é um veneno que a pessoa toma, esperando que o outro morra. Mas quem morre é quem está afetado por esse sentimento letal. Citei como exemplo a mágoa e o ressentimento, mas isso vale para qualquer outra realidade que nos afete e nos entorpeça. Precisamos estar e viver livres; livres de tudo o que nos agrida e nos envolva em laços de morte. A sabedoria está em se aprender a desvencilhar de tudo o que é escravizador e mortal. Não é fácil, pois essas coisas que demandam tamanha força moral, emocional e espiritual, geralmente são gigantes guerreiros difíceis de serem enfrentados. Jogue fora o que não presta, abra mão dos seus direitos de sofrer, enterre o que não tem mais jeito. Julgue todas as coisas e retenha só o que for bom; vire a página, olhe para frente, recomece, renuncie à autocomiseração, viva com os vivos.

Itamar Bezerra.

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