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Homenagem Aos Negros Embranquecidos Pela Sociedade

Pergunte aos alunos do ensino médio e superior, de qualquer escola e universidade pública ou privada da Bahia, se eles sabem ou, pelo menos, ouviram falar por parte de algum professor de história, ou mesmo se já leram qualquer citação em algum dos livros didáticos que passaram por suas mãos, sobre personagens de pele negra que se notabilizaram na história da Bahia e do Brasil?
Não tenham dúvidas: Eles dirão que sim. E, certamente, citarão Zumbi dos Palmares, Dandara, Maria Felipa e, com muita sorte, ainda que sem saber os papéis que representaram, poderão incluir na lista, os nomes de Luís Gonzaga (que não é o rei do baião) e o de João de Deus (que não é o médium da cidade de Abadiânia).
Houve um tempo em que as escolas ensinavam história do Brasil e no conteúdo programático estavam contemplados os importantes vultos que ajudaram a construir esta grande nação. Dentre estes, se encontravam dezenas de baianos ilustres. Esses ensinamentos eram ministrados numa época na qual os professores não reproduziam “estórias” sobre personagens inventados, tampouco fabricavam lendas sobre líderes e revolucionários fictícios para incutir no imaginário coletivo dos jovens uma narrativa que pudesse servir a propósitos obscuros.
Nas últimas décadas, infelizmente, promoveu-se a partir das escolas, o embranquecimento de professores, escritores, cientistas, médicos, engenheiros, políticos, artistas, juristas, militares. Todos negros, filhos bastardos dos senhores de engenhos ou dos clérigos que utilizavam escravas como objetos, para as suas satisfações sexuais. Meninos que superaram as mais profundas adversidades e se tornaram, pelo mérito, personalidades de notável saber, que conquistaram ascensão social e lutaram bravamente contra a escravatura. Qual dos jovens com menos de trinta anos já ouviu falar sobre nomes como Antônio Pereira Rebouças (1798-1880), cachoeirano, advogado autodidata que se tornou conselheiro de Dom Pedro II, neto de escrava alforriada e pai dos brilhantes engenheiros Antônio Rebouças (1839-1874) e André Rebouças (1838-1898)?… Ou de Manuel Querino (1851-1923), santamarense, professor, pintor e aluno fundador da Escola de Belas Artes e do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia?… Ou de Teodoro Sampaio (1855-1937), também santamarense, engenheiro, filho de mãe escrava e pai padre e que depois de formado pagou pelas cartas de alforria dos seus três irmãos, tendo sido membro e presidente do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia?… Ou de Ernesto Carneiro Ribeiro (1839-1920), itaparicano, médico, linguista, educador e professor de personalidades como Castro Alves e Ruy Barbosa?… Ou do soteropolitano Luiz Gama (1830-1882), escritor, jornalista e advogado, filho de escrava livre e pai branco, considerado o Patrono da Abolição da Escravidão do Brasil?… Ou ainda do também soteropolitano Juliano Moreira (1872-1933), formado médico pela Faculdade de Medicina da Bahia aos 22 anos e que se tornou um dos psiquiatras mais renomados do mundo?…
É possível citar inúmeros outros nomes de negros ilustres, baianos e de diversos outros estados brasileiros. Afinal, sobram os pontos de interrogação e os vazios das reticências. Exemplos não faltam: Carolina Maria de Jesus (escritora), Machado de Assis (o maior escritor negro do Brasil, quiçá do mundo, fundador da Academia Brasileira de Letras), Nilo Peçanha (o primeiro e único presidente negro do Brasil), Cruz e Souza (professor, jornalista e escritor que usou todo o seu prestígio pela causa abolicionista), José do Patrocínio (jornalista, escritor e ativo abolicionista), Lima Barreto (escritor, que denunciou o racismo e a desigualdade social no Rio de Janeiro), Antonieta de Barros (professora e jornalista que em 1934 tornou-se a primeira mulher do estado de Santa Catarina a ser eleita deputada estadual, bem como a primeira deputada negra do Brasil).
Causa-nos tristeza vê-los relegados ao esquecimento. Mulheres e homens negros que souberam enfrentar com resiliência e dignidade todas as dificuldades impostas pelo meio, num período de verdadeiro obscurantismo da sociedade brasileira. Dá-nos a impressão de que foram branqueados em função do status social que adquiriram pelo mérito, através da educação. O desprezo a esses grandes vultos da nossa história sugere de que foram julgados culpados por terem vencido as barreiras de tantos e tantos preconceitos e, apesar de tudo, terem conseguido ascender socialmente. Que por se distinguirem intelectualmente e terem assumido atitudes de características conservadoras, preferindo travar os combates abolicionistas de forma legalista, pacífica e ordeira, ao invés de liderar revoltas que utilizavam o emprego da força e da violência, não são merecedores de reverências. Estando, por estes entendimentos equivocados, mais próximos dos brancos racistas do que dos irmãos de pele negra. O sistema preferiu privilegiar personagens pinçados do cenário histórico e que se destacaram pela prática das ações radicais e violentas. Aconteceu também a clara opção pela fabricação de mitos, de imagens e perfis falsos. E, em homenagem a estas criaturas, frutos das imaginações capciosas, ergueram monumentos e até datas comemorativas. Um dos mitos mais reverenciados pelos movimentos negros é Zumbi dos Palmares. Segundo o historiador e jornalista Leandro Narloch, autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, Zumbi não foi um herói, muito menos um democrata. “Mandava capturar escravos de fazendas vizinhas para executarem trabalhos forçados no Quilombo, além de executar aqueles que quisessem fugir. Sequestrava mulheres. Descendia ele de imbangalas, considerados os senhores da guerra e, portanto, julgava-se senhor absoluto, com o direito de ter os seus próprios servos”. O escritor e historiador itaparicano, membro da Academia Brasileira de Letras, Francisco Xavier Marques, no seu fabuloso livro “O sargento Pedro”, editado na primeira década do século passado, em que relata a participação heroica dos itaparicanos na luta pela independência do Brasil; não ratifica a narrativa que a bem pouco tempo passou a ser contada sobre Maria Felipa. A Maria Felipa realmente teve participação na luta libertadora, mas incomparavelmente discreta quando comparada à da Madre Joana Angélica e Maria Quitéria. A história que se criou em torno dela não deixa de ser lenda e, assim como a de Dandara, é mito.
Quando radicais “antirracistas”, em nome da ideologia, relegam ao esquecimento os negros ilustres que verdadeiramente se destacaram na história do Brasil, além de demonstrarem desprezo pela educação e pelo mérito, não se dão conta de que estão a cair no engodo da elite preconceituosa que há séculos vem utilizando a estratégia de embranquecimento das grandes personalidades negras, a exemplo do que fizeram, com Nilo Peçanha e Machado de Assis, entre outros.
Parece mesmo que tudo faz parte de um planejamento pérfido com o propósito tenebroso de conduzir ao esquecimento os autênticos e valorosos personagens da história do país, para provocar a desconstrução e consequente destruição da memória coletiva da nossa cultura a fim de que seja reescrita a narrativa para implantação de uma nova e sombria ordem mundial.
Fosse vivo, Paulo Francis continuaria afirmando: “Bolsões de vida inteligente sobrevivem a duras penas.”

Jair Araújo – escritor
Membro Correspondente da ALACIB – Academia de Letras, Artes e Ciências Brasil, Mariana/MG.
Membro efetivo da SPBA – Sociedade Brasileira de Poetas Aldravianistas

3 thoughts on “Homenagem Aos Negros Embranquecidos Pela Sociedade

  • CONCEITO NOVO! Jair Araújo acrescenta nesse texto um inteligente, polêmico e novo conceito de branqueamento. Hoje quando 97% das pessoas preferem morrer a pensar um conceito novo é espécie em sério risco de extinção. Axé Jair!

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  • José Araújo

    Fabuloso! Simplesmente fabuloso. A inspiração deste texto demonstra a conexão do Homem com DEUS. Precisamos estar conectados com DEUS e construir um mundo melhor a partir de nossa própria evolução.
    Vejo neste artigo a contribuição para esse salto que necessita a humanidade. Que outros artigos e outros Jair Araújos continuem dando esta contribuição a todos nós.

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  • Paulo Serra

    Concordo plenamente, pois nos meus estudos sobre :Itaparica no Contexto da Independência do Brasil na Bahia, andei pesquisando este tema e descobri que Barros Galvão o maior nome e herói desta Batalha de 07 de janeiro, que perdeu sua vida não teve nenhuma projeção, estadual nem nacional,Já Maria Felipa que vigiava a Ilha com suas colegas e chegou a dar surra de cansanção e atear fogo e afundar 2 embarcações( segundo a maioria dos e autores) teve um papel importante mais secundário comparado a bravura de Quitéria e Joana Angélica.Atualmente virou a maior heroína da Independência da Bahia, só por ser negra, pobre, alguns chegam a citar que ela afundou 42 embarcações portuguesas, sendo que toda a frota de navios que participaram da Guerra era de: 40 Lanchas,03 Briques de Guerra e 4 Canhoneiras, num total de 47 Embarcações, nem João das Botas
    com sua bravura e perícia conseguiu este feito!
    Portanto “vamos devagar com o andor que o santo é de Barro!
    E dá a Cezar o que é de Cezar!

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