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Lá vem o Carnaval ai, gente!

Em Salvador, o espírito do “Entrudo” foi corrompido em sua essência. Deixou de ser uma festa popular para se transformar em um ganancioso espetáculo empresarial, sem espaço para o povão da terra. Tudo feito à custa do sofrimento da imensa maioria dos residentes ao longo do percurso que, a cada ano, vêm se expandido de forma desmesurada.

Isso mesmo! O evento tornou-se um grandioso e lucrativo empreendimento, através do qual poucos ganham muito, muitos ganham migalhas e outros tantos apenas amargam martírio e prejuízo. Por quase duas semanas, o comércio deixa de arrecadar e a população fica privada da sua rotina.

     Quem ganha:

  1. Os grandes empresários, com as benesses concedidas pelos gestores públicos para instalação dos suntuosos e extraordinários camarotes.

Os políticos que utilizam o Carnaval como palanque.

Os donos dos grandes blocos e os artistas que enchem as burras com os patrocínios e com o dinheiro do contribuinte, consumido em cachês.

  1. Os administradores públicos do município e do estado, em virtude da oportunidade para o marketing político, sempre visando as próximas eleições. Isto feito numa terra cujas estatísticas referentes às taxas de desemprego, detêm o maior índice do país, e que, só diminuem durante o período Carnavalesco por conta dos subempregos temporários e ocupações sazonais.

Quem pensa que ganha algo:

  1. O povão que gravita na linha da miséria e da extrema pobreza, diante da falsa “oportunidade” que é
  2. dada para catar latinhas em meio ao circuito. Ao que, a tudo isto, a mídia alardeia como fatos fenomenais.

Quem perde:

  1. Os ambulantes que pagam as taxas para terem o direito de exercer o comércio vendendo cervejas e refrigerantes em meio ao circuito, à mercê da ditadura da exclusividade das marcas impostas pelos patrocinadores e acatada pelo gestor municipal. Isto sem falar que ainda ficam expostos às intempéries e às perseguições dos agentes de fiscalização.
  2. A sociedade soteropolitana que subsidia os gastos com a infraestrutura e a logística montada para atender ao evento e suprir o pagamento dos polpudos cachês. Uma farra com o dinheiro público, para que os artistas entorpeçam o povo com as suas produções musicais apelativas, servindo-se como cabos eleitorais dos políticos que os contratam.
  3. O mobiliário urbano, dilapidado durante os festejos e que depois do Carnaval se vê necessitado de trabalhos de recuperação, incorrendo em mais gastos públicos.
  4. O sistema de saúde pública de Salvador, com os gastos para evitar as epidemias pós Carnaval, privando-se do que poderia ser utilizado para combater as doenças endêmicas, como a Zika e Chicungunha.
  5. Os moradores, marcadamente os idosos e os enfermos residentes ao longo do gigantesco circuito. Estes são tremendamente afetados no seu cotidiano, durante o período de mais de dez dias consecutivos. É como se estivessem submetidos a um cárcere privado enquanto são sendo torturados pelos abusivos decibéis dos megalômanos e infernais trios elétricos.

     Prova de todo esse absurdo está nas palavras do próprio superintendente da Transalvador quando em entrevista recente, disse, “orgulhosamente”, que: “Não existe precedente no mundo de uma área de restrição como a do Carnaval de Salvador. E olhe que eu pesquisei no mundo inteiro…”. Talvez, tal afirmação se assente na crença de que em relação ao mundo, a primeira Capital do Brasil, por conta disso, esteja no topo da pirâmide civilizatória e tecnológica. Diante de tal afirmação, imagine como será o Carnaval nesta Soterópolis, daqui a dez, vinte anos e com o crescimento da população.

Este tipo de Carnaval, praticado na cidade em nome de uma falsa tradição, é patrocinado pelos interesses econômicos e políticos. De olho no futuro, é necessário ter a sua formatação e o seu circuito repensados para, dentre outros relevantes aspectos, se evitar a supressão dos direitos, individuais e coletivos.

Dizem, e é verdade, que o Carnaval de Salvador se profissionalizou e está, cada vez mais, em acentuado processo de crescimento. Este ano, teremos a novidade do TAG para controle de acesso dos veículos dos residentes nas regiões do circuito, serviço a ser fornecido por uma empresa do ramo, na forma de patrocínio.

Fiquemos atentos, porque, após o governo do estado anunciar a intenção de colocar hidrômetros para cobrar a água consumida dos poços artesianos e a ANEEL propor a taxação sobre o valor de produção de energia solar, apesar da implantação do sistema ser custeado pelo próprio consumidor, não há de se  estranhar, caso venha a acontecer, a cobrança de pedágio para acesso dos moradores dos circuitos durante os festejos momescos da cidade. Nesta lógica, num futuro próximo, até mesmo a cobrança pelo consumo de oxigênio utilizado no processo respiratório do cidadão poderá ser tentada pelos governantes.

Enquanto a cidade dorme e o povo brinca, os governantes aproveitam para escorchar mais ainda os direitos sociais conquistados ao longo de décadas, com tanto suor e luta. Na quarta-feira de cinzas, o povo poderá decerto despertar com as notícias de que o Presidente encaminhou para o Congresso Nacional o fim da estabilidade do servidor e a redução dos salários, que a gasolina não baixou de preço, que a saúde e a educação continuam uma lástima.

Quem sabe, este povo ainda caia em si e entenda que muitas das boas promessas de campanha não passavam de factoides eleitoreiros, uma vez, que seriam mesmo impossíveis ou indesejáveis de cumprir.

Enquanto isso, VIVA O CARNAVAL e o FUTEBOL DO BRASIL!

Jair Araújo – escritor
Membro Correspondente da ALACIB – Academia de Letras, Artes e Ciências Brasil, Mariana/MG.
Membro efetivo da SBPA – Sociedade Brasileira de Poetas Aldravianistas.

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