Não há como fazer um acordo com a Covid
Gerson Brasil
Secretário de Redação da Tribuna
A bela, rica e culta Europa, que nos legou o Renascimento no século XIV, o homem universal, a descoberta do individualismo e as criações del arte, viu recrudescer o coronavírus, em meio ao relaxamento da quarentena. Diante do fato, o jornal espanhol El País consultou 11 especialistas para opinar sobre a questão. De um modo geral, tomou-se a reincidência da doença como resultado de uma desaceleração rápida, passando-se de uma fase para outra atropeladamente, sem que os primeiros surtos fossem rastreados adequadamente, com o desapreço da população pelo isolamento social e a não aplicação de testes massivos para detectar na população o contágio pelo vírus.
Gente como Antoni Trilla, chefe de Medicina Preventiva do Hospital Clínic (Barcelona), e Miguel Hernán, professor de Epidemiologia da Universidade de Harvard, chamam a atenção de que não há escolha a não ser identificar claramente as cadeias de transmissão específicas e eliminá-las pela raiz. As áreas de maior transmissão do vírus devem ser monitoradas com PCR massivo e perímetro confinado, se necessário.
Não há a menor menção sobre vacina ou drogas para conter ou atenuar a pandemia e nem aconselhamentos multitudinários, e sim a aplicação de procedimentos e coleta de dados confiáveis para restringir o avanço da Covid. Ou seja, questiona-se se as medidas adotadas até agora foram adequadas quanto ao formato, a execução e a qualidade. Seja como for, o vírus quebrou todas as barreiras sanitárias, médicas, burocráticas e se isolou num campo onde não é possível qualquer acordo em vista de um arrefecimento.
Os antigos – quando a ciência ainda não era potente, a farmacologia incipiente e o progresso tecnológico ficava por conta da imaginação de Jules Verne -, ao serem defrontados com o desconhecido, davam muxoxo, numa forma de mitigar o perigo e até de menosprezá-lo, mas com a cautela de não dar “asas ao diabo”. Sabiam, ou intuíam, que o perigo não se dobraria a rezas, feitiços, orações e outras simpatias, e, quando desse as caras, era “triscou, lambeu”, não dando tempo de confiar no médico.
Um dos dispositivos para enfrentar doenças malignas é humanizá-las com metáforas, o que significa passionalizá-las, torná-las humanas. Assim se deu com a tuberculose, doença de gente que vivia à margem das condições de vida ideais e de seres sensíveis, como Evangeline St. Clare, do livro a Cabana do Pai Tomás; morre tranquilamente de tuberculose, anunciando: “minhas forças se desvanecem a cada dia e eu sei que tenho de ir”. O câncer foi associado às pressões da vida moderna provocadas pelo capitalismo selvagem, que levava as pessoas a implodir.
O coronavírus não se deixa apanhar em metáforas, e não está relacionado a nenhum subjetivismo, ou maldição momentânea, ou reencarnada, nem pode ser equacionado pelas matemáticas – com todo o seu poderio demonstrativo -, da geometria, da álgebra e do cálculo. Seu estatuto de onipresente não o empurra para o mundo religioso, sobrenatural ou místico, nem mesmo é possível esconjurá-lo. Não escolhe classes sociais e nem temporiza com os eleitos de Deus.