O atirador de festim
Gerson Brasil
Jornalista e escritor
Para Walter Barretto Jr
Espere levantar. Aquelas outras pessoas não me interessam, há sempre gente inconveniente, atravessando desertos, subindo escadas, lavando calçadas, ou tentando beijar o homem que passa na rua sem ruídos. Logo estará em pé, na posição correta, mão esquerda no bolso do terno e a outra tragando o cigarro. O médico recomendou descansar os pulmões, mas não foi convincente ou a recomendação abusiva. A medicina às vezes malogra, o cão morde, e o gato, cat.
Você está mirando corretamente? por favor, não se desconcentre. Ahaaaaa! Fumar? Ronaldo o recomendou como sendo um dos melhores atiradores da Filadélfia, acumulando títulos e mais títulos e mais títulos em torneios; sem contar a passagem pelo SEAL. Estou concentrado, a mira está posta, o momento se aproxima, isso aqui não é gangorra, nem corrida de bombeiros, não é a bala que acerta o alvo e sim o alvo acolhe a bala, porque está na posição desejada. O cigarro, a fumaça que sai pelo nariz evita o suor da mão; se o dedo não estiver macio, o trabalho derrapa.
Difícil encontrar um atirador, a recomendação foi tola e acatei, sem antes fazer um teste. Como fazer teste? Levá-lo para a fazenda do meu avô para esse sniper, a poucos metros de um alvo, quase imóvel, estourar mamões grandes, numa plantação que atravessa uma rodovia. Não há o último pé de mamão. Bom, poderiam ter desaparecido, caso a família ouvisse as ideias de minha irmã bastarda. Queria serrar os pés de mamão, fazer crescer pimenta e vender na feira da cidade. Os mamões eram exportados e o quilo cotado a 0,52 cents. Lucro fabuloso. Fui contra e mamãe também. Papai, sentado na cadeira e na cadeira sentado, buscava um contorno inesperado.
Nada faltava à bastarda, mas o agradecimento era mudo. Um dia sumiu. No consolo, mamãe retirou da bolsa um papel onde estava escrito: ‘people disappear every day’ (pessoas desaparecem todos os dias). Antes, muito antes, Maria Schneider, desleixada, disse a mesma frase para Jack Nicholson em Profissão: Repórter (The Passenger), de Michelangelo Antonioni. Um solitário em busca de desaparecer.
Casada com Laurence Green Almeida; terno de alfaiataria italiana, camisa branca com colarinho alto, gravata de seda ocre e disposição e caráter suficientes para vida honorável e as mãos sem encontrar um objeto. Talvez o tempo não fosse suficiente, ou não passava na porta da fazenda, cruzava o rio, pegava o atalho e se dirigia para a estrada 48. Estava na cidade. Dois quilômetros.
Nem todos os lugares são visitados, o que inclui pessoas. Mas há quem pense e ensimesmada o nome Rudolph Valentino. O som é feliz, pouco espaço, e o medo de ser descoberta já passou pela rodovia, com vigorosa audácia. Mas o filme não se parece com o nome, falas dublam manequins e as roupas foram escritas para teatro de marionetes.
Você tem outra coisa a fazer ou o alvo desistiu? Vou me dedicar às unhas? A bolsa acomoda o que deve e o que não deve, teme ser surpreendida e aposentada. Há alguns dias estava modorrenta na vitrine da loja e nem sequer a etiqueta do preço. Não fosse moi.
Senhora, preciso descansar, o fuzil é pesado na pressa da sua conveniência, mas onde me encontro ‘esse pode ser o rosto que eu não posso esquecer. Um traço de prazer ou arrependimento’.
Não sou senhora, você foi contratado para fazer um trabalho, está me cantando com a música (She) na voz de Elvis Costello, no filme ‘Um Lugar Chamado Notting Hill’, com Hugh Grant e Julia Robert.
Não sou una niña, mas tenho meus sonhos pendurados em minhas roupas e disposição.
Você não é atirador. Sou sim, estou com dificuldade. Treinarei atirando na multidão.
What? Atirar na multidão? Você ficou louco?
Isto não é filme, en la película eles ficam juntos, aqui você quer me levar para o desastre?
A senhora não disse que a bala é de festim? Por isso aceitei o serviço. Amadora!