O maior espetáculo da terra
Nesses dias de folia, não gostaria de ver chiclete nem banana ou figura mercurial envolta em fantasias cafonas, tentando ressuscitar o brilho, menos ainda, ouvir pássaro infamado e galo cacarejando nas avenidas.
Para a alegria da nossa gente, bom seria se não houvesse aumento do IPTU, do IPVA; se os rios urbanos deixassem de ser intestinos infectados e as nossas praias cloacas, se tirassem as arrobas dos fios de telefonia arriados e enrolados nos postes da cidade; que não mutilassem as nossas árvores, que tirassem a feira de “Água de Meninos” da Avenida Joana Angélica (aquela calamidade), se as nossas músicas voltassem a ter qualidade. Melhor ainda, ver o pobre do trabalhador a comer picanha, os professores e os policiais serem valorizados, assistir a espetáculos teatrais nas praças e boas peças baianas superlotando teatros, segurança pública de verdade e as crianças em escolas públicas de qualidade. Ah! Se tudo isso de fato estivesse a acontecer, seria uma imensa alegria para a cultura e o bom futuro da Bahia!
Mas, o que importa é dar o pão (ainda que mofado) e o grandioso circo, na tentativa de imitar, de forma tosca, a magnitude do Le Soleil. A intenção é atrair os babacas com pose de bacanas que vêm de longe, gastar grana para curtir o Carnaval e encher as burras dos empresários que cobram caro por um abadá e um pedaço de asfalto nos blocos de elite. Gente de todos os cantos que chegam em busca do encanto e do axé na capital da esbórnia.
No chão, espremido entre as cordas dos blocos e os tapumes, o povão a pipocar, saciado com as migalhas tri-eletrizantes. Nos camarotes e em cima dos trios, somente quem burla imposto e causa desgosto: políticos, patrocinadores e as “celebridades” da Rouanet.
Quem mora nas ruas do reinado de Momo, fica refém da poluição sonora e a SUCOM não está nem aí para o sofrimento do soteropolitano cidadão.
São oitenta trios competindo na emissão desenfreada de decibéis. Dias e noites de insônia e alucinação para doentes, trabalhadores e anciões. Sem ter para quem apelar, o jeito é tomar Lexotan para não ficar tantã.
As ruas viram sanitários, os prédios e casas fedendo a latrina. Haja creolina!
O folião a comer churrasco de gato e cachorro quente, temperados com poluição, a beber caldo de cana, água contaminada, cerveja quente e aguardente. São dez dias de orgia e liberdade total, até para coliforme fecal.
E, como na Bahia absurdo não é novidade, chegou o dia em que, o “Herói do Sertão” cometeu o absurdo de decretar a proibição do uso de pistolas de água nos festejos de rua, sob alegação de coibir atos misóginos e machistas. No carnaval do ano passado havia protagonizado outro ato bizarro quando, em nome das minorias, proibiu o direito da criatividade e livre expressão. Obscenidade pode! Mas, fantasias de índio, “nega maluca” e “travecão” agora são consideradas agressões. Muquiranas vão se fantasiar de quê?
Pelo andar da carruagem, é possível que também venha a proibir até fantasia de presidiário para não ofender alguns poderosos “cumpanheros” de estimação. Desfaçatez e hipocrisia!
Dezessete anos de um só governo em que a saúde, a segurança pública, a cultura e a educação são tratadas com descaso. E, nos holofotes, políticos picaretas aproveitando o carnaval com discurso estéril para tirar onda de porreta.
Para onde foram os pierrôs e as colombinas? E a alegria dos meninos e o romantismo das meninas? Nem confetes, nem serpentinas!
O que se vê é muito roubo e agressão. Cordeiros e vagabundos distribuindo socos e pontapés, policiais militares, revoltados e mal remunerados, a soltarem indiscriminadamente bordoadas no folião pipoca.
No meio das avenidas, sexo e muita apelação. Crianças catando latas noite e dia, famílias dormindo ao relento para garantir um mísero sustento. Festa para o primeiro mundo curtir. Tudo censurado, nos noticiários das televisões. Será que todos esses absurdos poderiam ser motivos de orgulho para a maioria da população?
Mas, quando chega a quarta-feira de Cinzas, tudo volta ao seu lugar. Certamente, nas escolas e órgãos públicos, o uso da máscara será obrigatório ― é que durante o Carnaval os vírus entram em recesso. O povão sem um mísero tostão, a se dar conta das contas a pagar, os trabalhadores voltam à labuta e os políticos à luta, a caçar votos, tapeando o eleitor.
E, as estrelas do Axé a relaxarem no SPA.
“Teu interesse fútil por espetáculos, …. são como ossos jogados aos cães para acalmá-los, como iscas arremessadas aos peixes, … são como a corrida dos ratos assustados ou as marionetes manipuladas por fios.” Marco Aurélio, Meditações / Livro VII; (Imperador Romano 121 – 180 d C.).
Jair Araújo – escritor/Membro Correspondente da ALACIB – Academia de Letras, Artes e Ciências Brasil, Mariana – MG e do INBRASCIMG – Instituto Brasileiro de Culturas internacionais – Minas Gerais; Membro efetivo da SBPA – Sociedade Brasileira de Poetas Aldravianistas.