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Oh, bela, retrógrada e maltratada Bahia!

As imagens que ilustram este texto não são das ruas de Luanda, de Lahore, Nova Delih, nem da antiga Feira de Água de Meninos. Estas imagens são de uma histórica avenida do centro da primeira capital do país. Local onde se encontra o Convento da Lapa; em cujas portas registrou-se um dos mais brutais e importantes fatos da luta pela independência do Brasil, quando soldados portugueses assassinaram a golpes de baioneta a heroica Madre Joana Angélica de Jesus, em 19 de fevereiro de 1822.
Recentemente, fui tomado por um sentimento de tristeza e desconforto ao guiar um casal de escritores amigos pelo roteiro turístico do Centro Histórico de Salvador, caminhando do Campo Grande ao Pelourinho. Como de praxe, e hoje mais do que nunca, recomendei atenção e cuidado com os pertences durante o passeio pelas avenidas, ruas e becos. Porém, na condição de soteropolitano, compulsoriamente acostumado e adaptado ao visível processo de decadência urbana, agravado por anos à fio pela incompetência, conivência e interesses eleitoreiros dos gestores da capital e do estado, conduzidos ao poder através de um processo de escrutínio corrompido e viciado; não me dei conta de alertá-los em relação ao quadro da crescente degradação urbana e social. O fato é que os governantes administram com os olhos voltados apenas para o próximo pleito e os seus umbigos, menos para atender às necessidades do povo e da cidade em si.
A Avenida Sete de Setembro encontra-se abarrotada de camelôs que, impunemente, deixam de cumprir as mínimas regras estabelecidas pela indolente Secretaria Municipal de Ordem Pública e, a cada dia, ocupam mais e mais espaços com os seus puxadinhos.
A praça da Piedade, a exemplo das demais, encontra-se suja, fedida e maltrapilha, com os monumentos, verdadeiras obras de arte, entregues ao léu, tal qual os moradores de rua da cidade. Ali mesmo, bem à frente a antiga sede da Secretaria de Segurança Pública, encontra-se há anos a sucata abandonada de um sanitário público de aço inoxidável, que está servindo como depósito de trastes e estranhos objetos fruto da delinquência.
O casal ficou encantado com o Gabinete Português de Leitura e o Instituto Geográfico da Bahia. Porém, cometeram o desatino de pedir para conhecer o Convento da Lapa.
Entre tabuleiros de frutas e verduras, lixo e engradados empilhados em plena via pública, inclusive ocupando as faixas de pedestres e os estreitos e esburacados passeios, o percurso até alcançarmos as portas do convento foi tarefa difícil. Aconteceu entre manifestas expressões faciais de medo e indignação. Eu, inclusive, os aconselhei não sacarem os seus celulares para fotografias.

Foi uma missão penosa caminhar pelas históricas ruas 21 de Abril, Nova de São Bento, Barão do Rio Branco e Praça do Relógio de São Pedro. Muito das antigas e prósperas lojas da avenida, encerraram as suas atividades, prejudicadas pelo comércio irregular e desordenado que, além de dificultar o acesso dos clientes, propicia o ambiente à livre ação dos malandros.
Tivemos a oportunidade de ver inúmeros funcionários da SEMOP (Secretaria Municipal de Ordem Pública), com os seus coletes amarelos e/ou azuis, imóveis e de braços cruzados, contemplativos e passivos, em pé nas esquinas das ruas Coqueiro da Piedade e Barão do Rio Branco.

Todo aquele caos vai na contramão do que está declarado na missão da SEMOP, que “ipsis litteris”, diz: “A Secretaria Municipal de Ordem Pública é responsável pela criação de políticas públicas relacionadas à ordem pública do município, com fiscalização e ordenamento do comércio informal, administração de feiras e mercados públicos municipais… Prezando sempre que o cidadão tenha uma cidade organizada e limpa…”.
Uma vergonha ver a nossa capital neste progressivo e lastimável estágio de deterioração. Um retrato claro dos desgovernos Municipal e Estadual, que dão pouca importância às questões ambientais, socioeconômicas, educacionais, à conservação e manutenção dos bens e à qualidade dos serviços públicos prestados à população.
Quando não destroem, deixam tudo se acabar para depois reconstruir, a exemplo do antigo Centro de Convenções da Bahia, do Sistema Ferry Boat, da Linha de Transporte Ferroviário do Subúrbio, dos históricos prédios públicos abandonados para, em seguida, serem entregues aos grandes grupos empresariais. Preocupam-se somente em executar obras novas e megalomaníacas, muitas anunciadas e sequer começadas.
Também existem aquelas que, nunca são finalizadas e outras que quando iniciadas, se arrastam por três, quatro ou cinco mandatos para serem concluídas. Estas, ao final de cada governo, são utilizadas como promessas eleitoreiras.
Uma “comedilha” de dinheiro público, sem fim.
“A Bahia:
Tristes sucessos, casos lastimosos, desgraças nunca vistas, nem faladas. São ó Bahia, vésperas choradas de outros que estão por vir estranhos. Ninguém vê, ninguém fala, nem impugna. E é quem o dinheiro nos arranca, nos arrancam as mãos, a língua, os olhos”.
Gregório de Matos (1636-1696)


Jair Araújo – escritor/Membro Correspondente da ALACIB – Academia de Letras, Artes e Ciências Brasil, Mariana – MG e do INBRASCIMG – Instituto Brasileiro de Culturas internacionais – Minas Gerais; Membro efetivo da SBPA – Sociedade Brasileira de Poetas Aldravianistas.

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