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Os 417 anos de Salvador

O dia 29 de março é a data oficial comemorativa do aniversário de fundação, da cidade de Salvador, para ser capital da Colônia, São 471 anos de existência dessa urbe planejada, cujo traçado de Miguel de Arruda, atendeu aos princípios mais atualizados do conhecimento e práticas do desenho de então, mas precisou adaptar-se à localização escolhida.

As desejadas comemorações esbarram na imprevisibilidade e excepcionalidade, deste momento, pois a cidade deve continuar mobilizada para defender-se, como pode, evitando a propagação de mais uma epidemia. Uma situação grave, do ponto de vista de saúde pública, que limita o exercício do nosso livre-arbítrio, vez que os organismos nacionais e internacionais defendem o isolamento social como a forma mais eficaz de evitar a propagação da doença.

O Instituto de Arquitetos do Brasil Departamento da Bahia, sediado em Salvador, é um instituição sem fins lucrativos, de utilidade pública estadual e municipal, e traz a memória esta data, consciente que se  não teremos a oportunidade de reunirmos para festejos, devemos porém, cultivar o necessário interesse por sua história, seu crescimento, em seu presente e sobretudo em seu futuro e lugar no processo civilizatório.

A história nos tem muito a nos ensinar. Salvador é uma cidade de pouca idade se considerarmos, por exemplo a cidade de Alepo, com mais de cinco mil anos de história. Contudo, podemos lembrar da epidemia do cholera morbus que atingiu Salvador em meados do século XIX. De que forma reagiram naquela época os profissionais da área médica, as instituições religiosas e o governo a este drama que acometeu a cidade? As precárias condições de higiene urbana, as condições de pobreza de sua população e as massas escravas desassistidas que funcionalizavam a vida urbana, somado às resistências ou recusa por parte de seguimentos esclarecidos de seguir os conselhos médicos, contribuíram para promover a virulência da epidemia. Porém, para estudiosos do assunto foram as medidas sanitárias desencadeadas e o isolamento dos doentes que fizeram a epidemia recuar. Portanto, se impuseram as evidências científicas.

Hoje, há 165 anos daquele surto, a epidemia do novo coronavírus expõe, torna visível e amedrontar ainda pela miséria considerável a que estão submetidas parcelas expressivas da população de Salvador. Parte delas encurraladas em rincões delimitados e batizados como Zonas Especiais de Interesse Social, que somam um total de 235, a espera que o contagio emanadas das zonas ricas os contamine. Vez que jamais foram objeto de ações concentradas do poder público, para retirá-las dessa condição de precariedade urbana.

O urbanismo contemporâneo nasceu buscando respostas para resolver ou contornar as péssimas condições de moradia das populações pobres e excluídas e para as medidas orientadas para salubridade do ambiente das cidades. As políticas neoliberais abraçadas por governos e consideráveis setores sociais hegemônicos atuam, técnica e ideologicamente, no sentido de desviar políticas e recursos destinados à minimizar a precariedade urbana. Seguramente, a privatização dos serviços de água e esgoto, hoje em pauta, vão nessa direção.

Vale salientar que as atividades fundamentais e necessárias na vida da cidade: Saúde, Educação e Moradia social, de limitadíssima produção face a enorme carência, quando comparada com a produção incontrolável da especulação imobiliária, nunca receberam a devida importância.

 O direito universal a saúde garantida através do SUS, como ideia é um exemplo louvável, no entanto, não recebeu o devido e necessário apoio. A educação pública mesmo limitada é constantemente ameaçada de extinção, seja pela qualidade seja por escola vendidas por se encontrarem em terrenos valorizados.

Apesar dos festejos de aniversário da cidade serem cancelados, um olhar aguçadamente crítico poderia inquerir se haveria o que comemorar nesse anacrônico aniversário?

Desde o início da década 70, se afirmava que: Salvador é uma grande favela com “bolsões de riqueza”. Passados meio século, a cidade se tornou uma incomensurável favela, superlotada, com boa parte dos moradores apinhados em moradias que agora se mostram incapazes de implementar as medidas de isolamento para pacientes diagnosticado com a Covid 19.

Os bolsões de riqueza diminuíram e os “bolsonzinhos de condomínios” de classe média aumentaram e o planejamento da cidade, passou de “planejamento integrado da utopia”, para “planejamento estratégico do marketing” e o “planejamento a distancia”. Dando continuidade à histórica concentração da riqueza na mão de poucos e a pobreza em crescimento exponencial.

Contudo, com a emergência da pandemia do coronavírus, é ele que está planejando a cidade e definindo que áreas serão prioritárias e enormemente afetadas em maior grau. Sem dúvida, as áreas faveladas moradia da população pobre, negra e discriminada.

Estamos diante da primeira epidemia de um mundo altamente urbanizado à escala global. Salvador é uma metrópole e, nesse momento impar, precisamos ser leais e solidários à cidade que nos abriga. Esperamos que o futuro nos instrumentalize com um outro olhar para as desigualdades socioespaciais, que possamos enfrentar a pobreza de sua gente e a crescente precariedade urbana, através de políticas públicas consequentes e afinadas com o século XXI.

Fora disso só nos resta a potencialização da barbárie

Salve o 29 de março de 2020

Luiz Antonio de Souza (Presidente do IAB/BA)

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