Os juros imobiliários parecem coisa de Mandrake, mas não são. Aproveite
Gerson Brasil, Secretário de Redação da Tribuna
Afora o desemprego, altíssimo, mais de 14 milhões de trabalhadores sem ocupação, pouco se fala da economia; a cena só comporta a troca de dardos entre os atores políticos e Guedes, sobre a reforma tributária, a administrativa, pacto federativo e de onde vêm os recursos para bancar o Renda Brasil. Pesa muito mais o ganho político da discussão, do que propriamente o resultado do embate. No horizonte está colocada a reeleição de Jair, com muita gente querendo vê-lo pelas costas, mas os R$ 600 do auxílio emergencial o fizeram simpático.
Mas a economia brasileira não se restringe apenas a esses aspectos; mesmo com uma recuperação lenta, devido às restrições impostas pela pandemia, que aos poucos vem sendo abrandadas, no planejamento do vamos ver o que acontece.
Há, no entanto, nuances que chamam a atenção, mas contraditoriamente são invisíveis. Exemplo do financiamento imobiliário. Estranhamente, os bancos privados e a Caixa não fazem publicidade das taxas praticadas no setor. Quem comprar nesse momento um imóvel consegue financiá-lo em 30 anos com taxa entre 6% e 7% ao ano, mais TR, cuja variação ao longo do tempo é entre 0 e 0,05. Hoje é zero. Num passado recente, os juros oscilavam entre 12% e 14%.
Em outubro, fechando os últimos 12 meses, a inflação cravou 3,9%, na aproximação, 4%, e a meta fixada pelo Banco Central para o final do ano é de 4%, com intervalo de dois pontos percentuais para cima ou para baixo. Como a economia está muitíssimo lenta, qualquer garfada a mais de feijão e arroz, o IPCA sobe, foi o que aconteceu recentemente devido aos R$600 do auxílio.
Um financiamento imobiliário pelo SFH com taxa de 6% ao ano, mantida a projeção do BC, significa juro real de 2%, caso a inflação venha a se sacudir e chegue a 5,5% – é uma das projeções do Banco Central -, o juro real ficaria em 0,5%. Deveríamos estar sendo estimulados a comprar a casa própria; além do bem adquirido, o setor da construção civil daria uma disparada. Mas não é o que acontece.
Os juros do financiamento imobiliário estão baixo porque a Selic está no patamar de 2%, a inflação na casa dos 4% e as instituições financeiras captam dinheiro a 2% ou nas proximidades. Além disso, até 2021 o depósito compulsório que os bancos são obrigados a recolher ao Banco Central continua no percentual de 17%, antes era 25%. Isso injeta mais liquidez nos bancos.
Depósito compulsório é a retenção de parte do dinheiro que você deposita no banco e que vai parar no BC. Se o depósito for de R$100, o banco é obrigado a depositar 17% desse dinheiro no Banco Central.
Mas nada disso impede que a inflação dispare ou venha ficar acima da meta de 4%. Não temos uma economia estável, longe disso, e o passado nos recorda preços altos.
Um financiamento imobiliário com juro real entre 2% e 0,5% é uma situação, digamos, Mandrake, mas não é, portanto aproveite. O personagem da história de quadrinhos, com esse nome, era um herói a hipnotizar os bandidos, e a transformar a arma em buquê de flores, ou sorvete. Mas o contrato de compra do imóvel com a instituição bancária é real, com garantia jurídica; e não se esqueça: vale para você e para os habitantes do judiciário, executivo, legislativo, o proletariado e as classes médias.
A economia brasileira é marcada por inflação alta e juros idem. Caso o juro do financiamento imobiliário fique negativo para os bancos, em decorrência de um aumento da inflação, e chamem Mandrake para fazer um ajuste, resultando em prestação alta, haverá aquele clamor nacional de sempre: a casa própria é “nossa”, como a Petrobras é “nossa”, a Caixa, o BB e demais estatais. O judiciário defenderá a legitimidade do contrato, e, claro, a viúva, o Tesouro, entrará de bombeiro. É a oportunidade em meio à pandemia. É o inacreditável Brasil onde o coqueiro dá coco. No Youtube, João Gilberto, Gil e Caetano cantam Aquarela do Brasil, de Ary Barroso. Mais brejeiro, imposible. E ainda tem o filme de Ruy Guerra, “Os Cafajestes”, Hummmmm!!! (risos).