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Passa, gato, passa! Mais lhe dão gatuno a comedor de ratos

Gerson Brasil

Secretário de Redação da

Tribuna da Bahia

Para Isabela, Carolina e Valentina

Na má vontade. São chamados de bichanos, com a desconfiança no encalço da maldição alicerçada por diversos infortúnios presentes e outros vindouros de famílias, normalmente vastas; aquinhoados por uns e demonizados por outros. Dizem que os gatos não são de confiança, mas T.S. Eliot (26 de setembro de 1888 a 4 de janeiro de 1965) dedicou-lhes 15 poemas na forma de presente de aniversário a dois afilhados, que viviam sob a tutela de editores da Faber & Faber, na qual Eliot trabalhou e teve seus poemas publicados.

Poemas abraçados à prosa, e outro não foi como o dedicado a Miragéli e Kalbinômi, gatos acrobatas, mas de firme reputação, excluindo a cozinheira; “Sinto muito, minha gente. A carne estava excelente. Quando a tirei da panela/ mas ela sumiu do prato! Na família, espalhafato: foi o maldito do gato! Mas fica assim por mais que se questione”.

Nas aquarelas dos gatos, há também ensinamentos. Gato não é cão, “o cão comum e citadino, ao passo/ Inclina-se a bancar sempre o palhaço. Com os gatos, dizem que é regra bastante/Só lhes falares se te falam antes/ Em geral eu me inclino com recato. E digo: como passa, senhor gato? Quando o encontro pelo caminho, reformulo e digo simplesmente, passa gato”.

Os gatos de Eliot têm nome, mas é para compor os poemas, só o gato sabe seu nome, “mas a ninguém confessa. Ele pensa, e pensa, e pensa no seu nome/ No inefável afável/Inefanífavel/ Fundo e inescrutável sentido de seu nome”.

Eliot se diverte e diverte o leitor com o gato chato, “se lhe pões no prato, ele pede a tigela”. E tem a velha gata malhada, que, apesar de velha, presta relevantes serviços à família, depois de cessados os ruídos, “e atribui aos ratos uma imprópria dieta”.

De poemas para afilhados, que pediram ao padrinho a publicação dos mesmos, “Os Gatos” de Eliot, londrinos, na boa e inventiva tradução de Ivan Barroso, se incorporaram à literatura e passaram à familiaridade dos adultos. Os poemas os cativaram com jogos de palavras, invenções, e sem render apologia, sapiência ou maldição aos bichanos. Eliot trouxe para o universo da poesia um tema corriqueiro, mas sem se descuidar da forma, que lhe granjeou fama com “A Terra Devastada”.

“Precisa conhecer Míster Mistófelis!/ Não estou certo? /Não há decerto/Um mais esperto/ Que o Gato Mago Mefisto-Félix”!

Eliot coloca muitos gatos no gato, até se atreve a dar-lhes nomes, mas com cuidado, sempre os relaciona a alguma coisa; o gato ferroviário, Agapito, Gogó, o gato ator, Mac Anália, o gato misterioso, que some quando algum litro deixa o leite de forma inesperada, ou o Lulu sofre um atentado.

Não é fácil ser gato, mais lhe dão gatuno a comedor de ratos. Como “Boris, o Vermelho”, de Jorge Amado, senhor de muitíssimas antipatias do mundo, só pelo apelido. Com os gatos, se as antipatias não estão logo ali, não é preciso elaborá-las, surgem na primeira pisada de rabo e consequentemente a mordida. O que deita rede aqui em casa, às turras com inimigos e adversários, se lhe demora a comida, a mordida não espera, é certa. E não há jeito de evitar que o faça. São os felinos, sabotam o trabalho e a diversão alheia, porém, garbosos na hora de tomar banho e vagabundos oniscientes nas sonecas intermináveis. “Os Gatos” de Eliot é uma boa gatoleitura para enfrentar a pandemia; ficou 21 anos em forma de musical (Cats) na West End de Londres, e 19 anos na Broadway, em Nova York.

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