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“Transplante renal não é solução para insuficiência renal aguda causada pela Covid-19”, esclarece especialista

Tratamento é indicado para pacientes com doença renal crônica em estágio avançado e irreversível

Efeitos do novo coronavírus (covid-19) sobre a saúde dos rins ainda estão longe de serem compreendidos, já que a doença é nova e desconhecida em muitos aspectos. Em pacientes que testaram positivo internados em unidades de terapia intensiva (UTI), o índice de insuficiência renal aguda (IRA) varia entre 2,9 a 23%. Apesar da extensão da lesão renal causada pelo vírus SARS-CoV-2 ser incerta, uma parcela dos pacientes evolui com IRA, chegando a requerer diálise, ou seja, filtragem artificial do sangue.

A IRA decorre de uma agressão ao rim causada por diferentes motivos, tais como diminuição da pressão arterial, inflamação, infecção, medicamentos que agridem o órgão ou mesmo obstrução do trato urinário. Quando o paciente se restabelece da causa que determinou a IRA, boa parte dos indivíduos recupera o funcionamento normal dos rins. Diante dessas informações, pode surgir a dúvida: que papel o transplante renal possui no tratamento de pacientes com insuficiência renal aguda associada ao novo coronavírus?

Foi exatamente essa a pergunta que o parente de um paciente internado em UTI fez recentemente ao urologista Ricardo Souza (CRM-BA 28.399), cirurgião robótico com ampla experiência em transplante renal. Na ocasião, o médico explicou que os candidatos a transplante de rim são portadores de doença renal crônica, cujo curso é progressivo e irreversível. Já os pacientes com covid-19 possuem dois pontos que limitam a indicação do transplante: primeiro, a insuficiência renal determinada pelo SARS-CoV-2 é aguda, ou seja, possui potencial de reversão espontâneo na medida que a convalescença do paciente ocorra. Segundo, não se submete pessoas com quadros de infecções ativas a transplantes de rim. “Mesmo pacientes portadores de doença renal crônica adequadamente listados em fila terão seu transplante por hora suspenso e adiado caso apresentem uma infecção respiratória na ocasião que um órgão compatível surja”, resumiu o especialista.

Quando um paciente recebe um rim transplantado, ele passa a utilizar medicamentos imunossupressores para combater uma possível rejeição contra o novo órgão (enxerto). Tais medicações limitam as defesas próprias contra infecções, tornando o transplantado mais vulnerável. “Transplantar o rim num indivíduo durante uma infecção respiratória em atividade, seja de origem viral ou bacteriana, seria uma ameaça à vida do paciente”, frisou o urologista. O transplante é indicado para tratar pacientes com doença renal crônica (DRC) em estágio avançado. Esse tipo de tratamento é considerado a melhor alternativa para recuperar a qualidade de vida do paciente renal crônico, já que o novo órgão exerce todas as importantes funções do rim: filtra toxinas do sangue, regula o nível de sais do organismo (sódio, potássio, cálcio, magnésio, fósforo), auxilia no controle da pressão arterial, ajusta acidez do sangue (controla o pH), colabora no combate à anemia (produzindo o hormônio eritropoetina, importante para produção de glóbulos vermelhos do sangue) e atua no metabolismo ósseo, já que participa do ciclo de produção da vitamina D.

Doença Renal Crônica – Por ser silenciosa (sem sintomas no início), a doença renal crônica (DRC) geralmente é descoberta já em fase avançada, com grande comprometimento do rim. Por esta razão, parte dos pacientes necessita da terapia substitutiva renal através de diálise como ponte até o transplante. A indicação é individualizada de acordo com o desejo do paciente, seu estado de saúde e surgimento de um órgão compatível. Os candidatos serão pacientes com doença renal crônica (em diálise ou mesmo na fase pré-dialítica – conhecido com transplante preemptivo) e sempre quando o quadro for comprovadamente irreversível.

Neste tipo de tratamento, um rim saudável de uma pessoa viva ou falecida é doado a um portador de insuficiência renal crônica. No caso de doador falecido, a doação só é feita após declarada a morte encefálica (ME), um quadro irreversível. Para confirmar o diagnóstico de morte encefálica, dois médicos diferentes avaliam as funções cerebrais do paciente com intervalo de tempo. Se os achados apontarem morte encefálica, realiza-se um exame confirmatório (angiografia, eletroencefalograma, doppler transcraniano ou cintilografia). Só a partir deste resultado, o diagnóstico é confirmado. Se os familiares autorizarem a doação, iniciam-se os procedimentos para transplante.

ME é diferente de coma, situação onde o cérebro apresenta viabilidade e há preservação de fluxo sanguíneo regular. Nela o batimento cardíaco e a respiração são mantidos por meios artificiais através de aparelhos e medicação. “Não há casos de pacientes que se recuperam após confirmação de ME que, quando declarada, o paciente é considerado tecnicamente morto”, detalhou Ricardo Souza, integrante do Robótica Bahia – Assistência Multidisciplinar em Cirurgia, preceptor da residência em urologia do Hospital São Rafael (Rede D’or) e do Hospital Santo Antônio (Obras Sociais Irmã Dulce).

Antes da captação do rim, deve-se pesquisar neoplasias e doenças infeccionas (como HIV, hepatites, sífilis, Doença de Chagas, etc), além de realizar exames gerais no potencial doador. Ao ser removido, o órgão é mantido resfriado em caixa térmica para conservação. Daí inicia-se uma corrida contra o tempo, pois quanto menor o período entre a extração e o implante, melhor. Idealmente, o transplante deve ocorrer com menos de 12 horas de intervalo, mas por questões logísticas, esse tempo pode ser alongado para além de 24 horas. Isso acontece, por exemplo, quando os rins precisam ser transportados para outros estados da federação ou quando há retardo no resultado da prova cruzada – “cross matching”, um exame que pesquisa se um potencial receptor reagiria com anticorpos contra o rim do doador.

Uma curiosidade: o paciente que recebe um rim transplantado não tem seus rins originais removidos. O órgão doado é implantado através de uma incisão na parte inferior do abdome e o paciente permanece com três rins, dois nativos e um adicional enxertado. “Para que mais pacientes renais crônicos sejam beneficiados pelo transplante, é importante que o número de doadores aumente. Por isso, é fundamental que aqueles que desejam doar órgãos expressem esta vontade aos familiares, pois somente eles podem autorizar a doação quando confirmada morte encefálica do potencial doador”, concluiu Ricardo Souza.

Foto: Divulgação

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