O que estamos ensinando aos nossos meninos e meninas
Kim Niederauer
A mídia, seja em que formato estiver em evidência em determinado momento, sempre teve um papel importante na formação das crianças e jovens. Antigamente tinha-se a TV como principal fonte, as crianças e jovens ficavam na frente da tela seja por lazer, ou os pais as colocavam ali para ficarem “hipnotizadas”. A televisão fazia um papel de “babá” para os adultos poderem realizar outras atividades.
O tempo foi passando, o formato de consumo das mídias foi mudando, e hoje em dia tudo é digital. Fazemos coisas inimagináveis há um tempo atrás, como espelhar a tela do celular na TV, que por sua vez fica cada vez maior, mais fina, e com mais tecnologias embutidas.
Grandes transformações ocorreram, mas parece que alguns conteúdos estacionaram no tempo. Ano passado, tivemos um exemplo claro de como algumas práticas continuam sendo realizadas sem a menor vergonha. Silvio Santos colocou crianças meninas em seu programa para desfilar de biquíni e serem julgadas de qual tem o corpo mais “bonito”. Adultização, hipersexualização, imposição de padrões e rivalidade feminina são marcadores que se encaixam perfeitamente nessa temática arcaica de tentar gerar entretenimento.
Para além do comportamento objetificador e machista do próprio Silvio Santos, temos a problemática da veiculação desse conteúdo em um programa que é acompanhado em larga escala nacionalmente. Rosa Maria Fischer, doutora em educação, cita em seu texto, “Mídia e juventude: experiências do público e do privado na cultura”, como o que é visto numa tarde de domingo na TV aberta tem grande influência social: “Importa é que esses produtos tematizam de alguma forma a juventude brasileira, falam com ela, dirigem-se a ela, buscam-na avidamente na condição de público consumidor e posicionam-se como lugar de educação e formação das gerações mais novas”.
Posto isso, temos que questionar: o que estamos ensinando às nossas meninas? O que estamos ensinando aos nossos meninos a respeito de como eles devem tratar as mulheres? Vamos lembrar que essas crianças expostas a esse tipo de conteúdo crescerão, e aquela menina se tornará uma mulher insegura, se heterossexual/bissexual, se envolverá em relacionamentos abusivos com homens “escrotos” por achar que é isso que ela merece, afinal, ela cresceu sendo bombardeada por informações de que é apenas um “pedaço de carne” em exposição na vitrine para que os homens a julguem e a usem da maneira que acharem melhor.
Da mesma maneira funciona para os meninos, que serão homens sem a menor noção de como tratar uma mulher, e utilizarão de seus privilégios para manter a lógica violenta e sexista em que vivemos, pois, afinal, o processo socializante não falha.
O ano é 2020 e ainda temos que relutar e refalar sobre as mesmas temáticas que são abordadas desde quando minha mãe era uma criança. É necessário que se problematize e se questione os conteúdos que são transmitidos por todos os tipos de mídias para que o discurso que esteja ali dentro consiga acompanhar a evolução tecnológica do aparelho que o está transmitindo.
Kim Niederauer é produtora de conteúdo digital e bacharel em Ciências Sociais