Ainda bem que comércio exterior não frequenta motel
Gerson Brasil
Para a Jornalista Tatiana Ribeiro
Romântica, você sabe o que é comércio exterior? Doutora, o que deu na senhora, vai fazer algum concurso?, se for isso, bela amiga tenho, não me diz nada, garanto que o salário é bom; está com medo da concorrência, não se preocupe, mas estou de mal com você. Romântica!!!!, arrrrrrrrrrrrrrg, você está ficando maluca, continuo professora e vou morrer professora, não porque seja heroico, mas é impossível, agora, depois de 28 anos de cátedra – gosto dessa palavra, trocar de profissão. E, diabos, a senhora quer auscultar no comércio exterior? Conheces o Mauro, é, aquele mesmo, ciente de estar na terra para cumprir a obrigação de ser bendito entre as mulheres; pois bem, outro dia perguntei o que fazia e ele desleixadamente me respondeu comércio exterior, com um quase sorriso, sustentado por uma linha do esmalte branco do dente, onde se podia ler: burralda, endereçada a mim. Assimilei o golpe, aprendi assistindo a luta do século, em 1975, Muhammad Ali vencendo Joe Frazie, mas levando vários golpes violentos. Ficava nas cordas só se defendendo, mas quando atacava era mortal.
Respirei e fingi que a resposta era suficiente, controlei a raiva; quem sabe a oposição, minha mãe e amigos tenham razão, explodo à toa, por qualquer coisa, um fiapo de manga no dente torna-se uma pinaúna. Mas a verdade amiga, passo ao largo da história de comércio exterior, não me convenceu, já olhei na internet, está relacionado à venda e compra de mercadorias no exterior, mas quero saber o que ele faz nisso tudo. Por acaso, carrega os pacotes na cabeça até o navio, ou suborna os marinheiros, esse negócio é uma fachada para lavar dinheiro, como toda hora a televisão está a noticiar? Tenho medo, confesso. E se, de repente, me convida para írmos ao Japão (prefiro Paris), do mesmo modo quando come cachorro-quente, vestido num Armani, gravata de seda, sem sequer sujar as mãos de ketchup? – não sei como consegue; e a displicência quando viajamos para Minas ou vamos a Buenos Aires, num fim de semana, só para ir a um museu ou a uma cafeteria; certa vez falou durante horas sobre Mondrian e a derrota do verossímil, como se a representação estivesse perdida para sempre, entre traços e cores. Parece um homem rico, mas não é, ou seja, fico espantada com a elegância, as roupas, os ternos que nunca vejo nas lojas; por isso não tenho certeza sobre a condição financeira, exibida discretamente, como um copo de água num restaurante, e o translúcido cartão de visita traga somente o nome dele & Company. Outro dia, distraidamente, perguntei qual era o nome da firma e só faltou me comer viva, não lembro se tinha sal em casa. Disse em tom de ironia: você quer dizer a trading; não estou nem aí para essas bobagens, papai tinha firma e os amigos também, depois existe uma coisa chamada sinônimo. É, mais no Japão não vou, não sei o que ele faz, e lá pode ser o esconderijo da máfia, ou de alguma facção criminosa, hoje com essa tal de globalização, o mundo deixou de ser confiável, poucas pessoas são educadas, não cumprimentam aqueles que estão próximos e muito raramente se ouve um bom-dia. Boa-noite morreu, foi enterrado e nem colocaram uma placa: aqui jaz. Vou correr o risco de ser a chata e quem sabe termine sendo substituída pela regra três, a amiga dele, sonsa e maliciosa, mas quando me vê abaixa a cabeça; mas não perde a oportunidade para dizer: “ainda estão juntinhos”. Não vejo o momento de estrangular aquela galinha. Doutora, a senhora está sanguinária. Estou, Romântica, não sou burralda e nem bobinha, cumpro com os meus deveres, voto e se não fiz o serviço militar é porque as forças armadas me acham incapaz, problema delas, mas para sua informação, no ginásio praticava atletismo, saltava de vara. Mauro tem carro nacional, mas paga jantares que superam em muito o salário mínimo, e se comporta como se nunca tivesse tido uma dor de dente, fala com os homens, isto é, os homens falam com ele, sempre sentado na cadeira de diretor do filme. As mulheres, quer dizer, as subordinadas, quando se dirigem a ele é como se estivessem na presença do Santíssimo. Só não sentam no colo, imagino, porque temem desagradar ao chefe, e também porque sabem que lhes espetaria um garfo na bunda. Às vezes penso que estou na companhia de John Fitzgerald Kennedy, mas não me chamo Jackie O. Sou professora, tenho filhos e ensino português, quer dizer, catequizo no Mater Dei, mas sobra tempo para a manicure e a cabeleireira; o que me intriga, mais ainda, é que quando estamos na cama, o Mauro é um homem comum. Outro dia falei do Kama Sutra , disse que era bobagem, fiquei surpresa, sempre ouvi falar de fantasia sexual e que os orientais fazem sexo de modo diferente. Ainda bem que comércio exterior não frequenta motel (risos).
Gerson Brasil é jornalista e escritor