O amor no tempo da peste
Jolivaldo Freitas
Parecia coisa marcada. As namoradas foram ligando, encadeadas, quase ao mesmo tempo; o celular sibilando logo a seguir de uma ligação. Dia dos Namorados sempre foi assim e pela primeira vez ele achou que a quarentena foi coisa boa na sua vida, já que não tendo parente nem amigos com coronavírus, e ter testado negativo depois de tirar meleca do nariz, tudo ia bem, e ainda tinha a desculpa certa para não sair de casa, terminar uma ou outra relação e levar na conversa quem ainda interessava. Angélica C, a primeira, ligou logo pela manhãzinha. Sem respeitar o horário sagrado de acordar – sempre às 9h30 fizesse sol ou chuva ou chuva e sol o “casamento da raposa” no imaginário popular”. Ela foi de chofre, na dividida, perguntando se iria passar para irem a um motel à noite. Ela assegurava que tinha ganhado um vouche de um estabelecimento famoso e que estava na mão somente esperando que ele passasse e a levasse. Comprou até uma lingerie nova num site da Marisa.
Ele argumentou que não dava. Estava de quarentena e era perigoso namorar com tal pandemia. Ela insistiu observando que nada que não pudesse ser feito usando máscaras. Ele, que nunca na vida fora romântico contra-argumento que não tinha graça não poder beijar, abraçar, passar a língua em sua pele ajambada (criou até um neologismo para cor de jambo), mordiscar seus bicos do peito, dar beijinhos em suas pálpebras. “Seria como chupar achachairú sem tirar a casca”. Ela bateu o telefone fixo. Ele refletiu (1): “quem ainda tem telefone fixo? ”. O deixou falando sozinho. Justamente quando ele refletiu (2): “como ela conseguiu o vouche?”. Refletiu (3): “Acho até melhor não saber”.
A outra namorada fez a ligação logo, em seguida “esse povo perdeu o senso das horas ou não respeita mais meu direito de dormir até tarde”, queixou-se alto para si mesmo e atendeu já com certa irritação, e ela fazendo uma piada sem graça perguntou se o coronavírus tinha entrado em seu covid. Como reconheceu a voz e a imagem de Vitória Maria veio à mente – era coisa nova, bonita de se ver, até se fosse poeta comporia umas mal traçadas linhas – mudou o tom e se mostrou todo gentil e solícito e ela falou que estava desejando para ele um feliz dia, que o amava apesar do pouco tempo do conhecer, e que esperava que a pandemia chegasse logo na curva preconizada pela Organização Mundial da Saúde para que pudesse se ver e disse que à noite mandaria um nudes, pedindo que ele mandasse também e que no sábado, dia 13, se ele quisesse poderiam fazer amor virtual “algo que a própria OMS, os psicólogos e sexólogos recomendam”, e rindo à valer com a própria graça deu um beijo e um tchau.
Foi ele desligar e ter de atender de novo e era Maria das Graças, Gracinha, a mais antiga de todas, já com uns oito anos de namoro, que ligou somente para perguntar se lembrou de comprar o presente dela e ele disse que comprara e que não chegou por causa dos Correios. Ela reagiu mal e assegurou que ele não prestava, não tinha o menor senso de romantismo e que, com certeza, nem lembrara de comprar (no que acertara em cheio) e agora jogava a culpa nos Correios, por saber que se o serviço já é ruim em tempos normais imagine em tempos de pandemia. Ele para ser engraçado perguntou: “E meu presente? ”. Ela sem titubear respondeu: “Mandei também pelos Correios”. E também desligou no focinho.
Ele: – Mulher sacana de inteligente. Por isso gosto dela!
E decidiu desligar o celular e voltar a dormir para recuperar o sono e regressar a sonhar tomando banho numa grande piscina de sorvete de creme. Adorava sorvete de creme. Com passas então…
Escritor e jornalista. Email: Jolivaldo.freitas@yahoo.com.br