Criminalização por uso ilegal da vacina
Antonio Baptista Gonçalves é Advogado, Pós-Doutor, Doutor e Mestre pela PUC/SP e Presidente da Comissão de Criminologia e Vitimologia da OAB/SP – subseção de Butantã.
A vacina para enfrentar a pandemia do COVID-19 é uma realidade no Brasil. Por conta do tamanho continental do País fez-se necessário o escalonamento da vacinação a fim de que houvesse uma estrutura e a garantia de que todos possam receber a imunização de maneira escalonada, sem prejuízo aos demais, e obedecendo a entrega da própria vacina e sua disponibilidade para aplicação. Em decorrência disso, agora, os primeiros a serem vacinados são os profissionais de saúde que estão na linha de frente ou diretamente envolvidos com a pandemia.
Em consonância com a decisão do Supremo Tribunal Federal que conferiu autonomia aos Estados e Municípios para decidirem autonomamente sobre as ações para minorar o impacto do COVID-19, alguns Estados, como São Paulo, também já iniciaram a imunização obedecendo os mesmos critérios.
No entanto, seja por medo, temor, aflição ou meramente esperteza existem aqueles que tentam burlar as regras estabelecidas e “furam” a ordem da vacina, seja por oferecimento de propina ou por favorecimento em decorrência de cargo, o que se popularizou como “carteirada” no Brasil. Sempre em uma democracia haverá aqueles que pensarão individualmente em detrimento do coletivo e buscarão uma vantagem indevida para si.
Para estes, importante alertar que, em que pese seu anseio de estar imunizado e supostamente protegido contra a maior pandemia recente da história, o respeito ao coletivo deve imperar para evitar a produção da desordem e ao favorecimento ilícito. Assim, o Código Penal deve ser aplicado sem prejuízo do emprego concomitante de outras medidas judiciais a fim de garantir o respeito à ordem de imunização.
O Judiciário Brasileiro deve estar atento àqueles que furam a fila em favorecimento pessoal e responsabilizar tanto o profissional da saúde quanto o beneficiado. As decisões já começaram a ocorrer, como no Amazonas, em que a 1ª Vara da Justiça Federal decidiu que àqueles que furaram a fila da vacinação contra o COVID-19 não terão direito à segunda dose.
Além disso, a mesma juíza determinou que a Prefeitura de Manaus informe todos os dias, até as 22h, a relação das pessoas vacinadas contra o COVID-19 na cidade com a obrigatoriedade de informar CPF e profissão.A decisão ocorre por conta de quatro estudantes, dois advogados e um casal proprietário de uma empresa de alimentos terem sido imunizados indevidamente.
Dentre a fundamentação da magistrada destacamos:“Em razão da falta de explicação para os casos de pessoas que tomaram indevidamente a vacina, ficam todos proibidos de tomar a segunda dose, podendo ficar sujeitos à prisão em flagrante delito em caso de insistirem no ilícito”.
O Congresso Nacional se mostra atento a questão dos “fura filas” e o senador Plínio Valério (PSDB-AM) propôs projeto de lei para que seja modificado o Código Penal com a inserção de criminalização para os que indevidamente recebem a vacina em detrimento da ordem de vacinação. A pena prevista é de detenção de três meses a um ano e multa. A punição aumenta de um terço à metade se o crime for praticado ou compactuado por autoridade ou funcionário público. Ainda existem outros dois projetos com variantes nas penas como, por exemplo, o do senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP) que prevê detenção de dois a seis anos e se o autor for servidor público, a pena pode chegar a dez anos de prisão.
Os projetos de lei são uma resposta às denúncias que estão sendo apuradas pelo Ministério Público de que, ao menos, em oito estados houve irregularidades na vacinação. Ainda que não exista uma tipificação própria para os que furam a fila há medidas penais que podem ser aplicadas para os funcionários públicos.
O artigo 312 do Código Penal é claro ao prever o peculato:
Art. 312 – Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa.
O particular que também se aproveitar ou prestar auxílio para o agente público incorrerá no mesmo delito. A apropriação de bem público em virtude do cargo ou função configura o peculato. De tal sorte que antes de um funcionário ceder a um favorecimento ilícito é melhor refletir se o erário recebido poderá compensar a perda da liberdade em caso de condenação penal.
As medidas jurídicas são uma resposta à sociedade a fim de conferir transparência, equidade e, acima de tudo, o respeito à sociedade e ao Estado Democrático de Direito em uma ordem em termos de importância e risco de contágio. O interesse do bem público é o mote fundamental a ser buscado para que a população volte à sua rotina normal no menor espaço de tempo possível. E que se puna os que desviem ou não se importem com o bem coletivo. Iremos sobreviver e voltar a prosperar com o controle da pandemia, porém, a justiça deve ser aplicada para demonstrar que não vale tudo em busca da imunização. O respeito a centena de milhares de mortos e infectados pela pandemia exige que o Estado seja transparente e que no momento mais importante no caminho de regresso à normalidade haja obediência aos critérios estabelecidos.
Aos que se acham acima da lei ou buscam se favorecer sem cumprir o estabelecido que se mostre os rigores do ordenamento jurídico penal brasileiro. A população brasileira agradece.