Ana Paula De Raeffray
Recentemente voltou a ser debatido o tema da aplicação da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho – OIT no Brasil, impulsionado pela expectativa de conclusão do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº 1.625 pelo Supremo Tribunal Federal – STF em 19 e 26 de maio.
A Convenção 158 da OIT trata das regras, requisitos e condições para a rescisão do contrato de trabalho por parte do empregador, tendo sido aprovada na 68ª Conferência Internacional da OIT, em 1982. Inicialmente, o Brasil ratificou a referida Convenção, tendo o Congresso Nacional aprovado o texto no ano de 1992 e sua promulgação ocorrido em 1996 pelo decreto 1.855.
No mesmo ano de sua promulgação, contudo, o Brasil denunciou a Convenção à OIT pelo decreto Federal 2.100/96, que foi objeto da ADIn 1625, sob o argumento de que a denúncia não poderia ter sido promovida por ato exclusivo do Presidente da República, sendo necessária também a aprovação do Congresso Nacional. Ao final, portanto, o objetivo dessa ação é o de restabelecer a vigência dessa Convenção no Brasil.
O principal ponto de preocupação relativo aos termos da Convenção 158 é que somente se permite o desligamento do empregado se houver uma causa justificada e comprovada, relacionada (i) à capacidade o u ao comportamento do empregado, (ii) ou às necessidades de funcionamento da empresa em virtude de dificuldades econômicas, tecnológicas ou estruturais.
Dessa forma apregoam alguns que a aplicação da Convenção 158 da OIT poderia implicar a impossibilidade de utilização da dispensa sem justa causa em contratos por prazo indeterminado. Suscita-se, ainda, a possibilidade de questionamento das demissões sem justa causa ocorridas anteriormente, caso a Convenção tivesse aplicação retroativa.
Mas o certo é que, em linhas gerais, essa Convenção estabelece regras rigorosas para o desligamento de um empregado, criando dificuldades para as empresas no trato com mudanças econômicas ou outras circunstâncias imprevistas, pois pode limitar sua capacidade de responder rapidamente aos desafios do mercado. Pode, também, fomentar o conflito judicial para as empresas que desejam ou dispensam seus trabalhadores, levando a uma maior onerosidade e demora na rescisão do contrato de trabalho. Esse cenário tem o condão de propiciar aumento dos custos, com chance de comprometer a competitividade das empresas.
Além disso, a adoção dessa Convenção pode desfavorecer a contratação de novos trabalhadores em períodos de dificuldades ou incertezas econômicas, pois as empresas poderão ficar relutantes em admitir novos empregados devido ao medo de não conseguir dispensá-los no futuro.
E, ainda que assim não o fosse, essa Convenção é incompatível com a Constituição Federal. Isso se justifica, porque o núcleo protetivo do art. 7º, I, da Constituição de 1988 permite o desligamento do empregado sem qualquer justificativa e prevê uma indenização compensatória nessa hipótese.
Evidente, portanto, a escolha do constituinte de abandonar a necessidade de justificar a rescisão do contrato do empregado. Em outras palavras, a Constituição ao mesmo tempo concede liberdade às empresas para contratar e dispensar empregados e estabelece mecanismos de proteção financeira quando do desligamento sem justa causa, tanto pela indenização compensatória, hoje multa de 40% sobre o saldo do FGTS, como também, pelo aviso prévio proporcional.
Nesse rastro, os países que adotaram essa Convenção, como Espanha, Portugal e França, experimentam redução da produtividade, problemas crônicos com a temporalidade dos contratos de trabalho e, consequentemente, diminuição dos postos de trabalho por prazo indeterminado.
Essa discussão, entretanto, certamente não será aprofundada pelo STF por ocasião do julgamento da ADIn 1.625, o que pode levar à insegurança jurídica e a um exponencial aumento da judicialização de conflitos em torno do tema, caso se conclua pela inconstitucionalidade do decreto Federal 2.100/96.
Mas os efeitos dessa decisão não podem passar ao largo. Antevendo os possíveis impactos – sejam relacionados aos desligamentos sem justa causa já consumados, sejam aos desligamentos futuros à luz da vigência da Convenção incorporada ao ordenamento jurídico por força da nulidade do ato que a denunciou – o STF, caso entenda que é necessária a participação do Congresso Nacional no ato de denúncia do tratado internacional, deverá ser aplicada a modulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade, mantendo válido o decreto 2.100/96, mas fixando a tese de imprescindibilidade da aprovação do Congresso em de núncias de convenções internacionais futuras.
Com isso poderá ser estabelecida a segurança jurídica, garantindo aos investidores e às empresas, um cenário mais previsível, razoável e estável, de forma que, eventual futura ratificação da Convenção 158 da OIT seja precedida de amplo debate e análise de seus impactos com toda a sociedade.
Ana Paula De Raeffray – Advogada. Doutora em Direito pela PUC-SP. Vice-presidente do Instituto de Previdência Complementar e Saúde Suplementar – IPCOM. Membro da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social. É sócia do escritório Raeffray Brugioni Sociedade de Advogados.