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A voracidade dos seres imaginários da América Latina e o Masp

Gerson Brasil, Secretário de Redação da  Tribuna da Bahia

Para Walter Barretto Jr.

A América Latina abriga um dos melhores museus do mundo, o MASP, em São Paulo, com obras de Van Gogh, Renoir, Rembrandt, Monet, Manet, Picasso e outros. Em arco com a bossa nova e o corpus literário nos torna gente. Não há nada comparável nos vinhos próximos ou distantes.  Tinha como par o MAM do Rio, mas o desleixo queimou quase todo acervo, num incêndio. Das mil obras restaram 50.

Mas a América Latina vive a coincidência de desastres políticos e econômicos em revoluções, golpes, ditaduras e breves períodos de democracia, mas sem a instauração da República de Aristóteles, a da lei. No Brasil o populismo e a mistificação fazem a República se ombrear com a de Platão, com protos sábios dando ordens e desordens.

Na segunda metade do século XX, a América Latina foi coberta por porção caudalosa de ditaduras, sem formular ou definir nos termos da democracia e da república burguesa – no campo político, social e econômico-, o que os europeus chamavam de Il mondo nuovo.

O milagre brasileiro de 1967 a 1973 produziu um crescimento do PIB de 10%, em média, mas atrelado ao arrocho salarial e a gastança desenfreada.  Com a crise do petróleo em 1973, o milagre acabou e em 1993 a inflação cravou 2 708% no ano.

A América Latina produz coincidências num mundo próprio, resistente a recompensar os tipos que esculpe, daí a voraz resiliência de estar no pódio. “El general em su labirinto”, de Gabriel Garcia Marques, promoveu mais de 300 revoluções e perdeu todas. Injuriado disse a Palácios seu servidor mais antigo, “ vamos embora, porque aqui ninguém gosta de nós, esta é a terra dos infiéis”.

Milagrosamente esses entes sobrevivem às catástrofes, como se o tempo fosse uma eternidade, aplicada aos letreiros de caminhão nas burlescas grafias do mundo suburbano. 33 partidos, CPI, governo e os braços do Estado se alternam na produção desses seres imaginários, caligrafados por Jorge Luis Borges em livro.

São entidades que dormem acordam, ficam em estado de vigília e outros, e assim como ‘Baldanderes’, na página 173. Assumem formas díspares: ”homem, carvalho, porca, de um salsichão, de esterco, de uma tapeçaria de sede” e exibem a arte de falar não só com os vidros e mortos, mas também com bancos, cadeiras, panelas e jarros e muitas outras coisas e seres, e então voltam novamente à condição de homens. Ás vezes, na vaidade, exibem um dístico de secretário e ao levantar a mão o aceno vem convertido em eu sou o princípio e o fim.

O seres imaginários pertencem à história, às lendas, as tradições de diversos povos, que os acolheram e de quem receberam ajuda para formar seus costumes comunais, suas leis consuetudinárias, e a resistência a um novo costume, escrito, impositivo, mas sem ser capaz de extinguir ou desmemorizar o cotidiano.

Além disso, a antiguidade resolveu problemas, estabeleceu valores, no sentido de honra, com os protagonismos de criaturas como Hércules a vencer o infernal cão Cérbero de três cabeças e cauda de dragão. Uma vitória da persistência, da individualidade e da crença. No Brasil, o que restou de Hércules foi a chacota. Aqui, os seres imaginários não guardam relação com os costumes em comuns e numa astúcia inigualável fundam religiões, fundam imunidades, se investem de patriarcas, atravessam leis, escândalos, cadeias, urinóis, biografias apócrifas, plágios, charlatanice e até mesmo quebra-queixo. Ainda não chegaram às escolas de samba, mas não é por falta de passos. No final passam bem e os enredos que tecem fazem do “Livro dos seres imaginários” pinico. Na outra página, o MASP exibe até primeiro de agosto 76 obras de Degas, todas do acervo do museu.  Além do Masp, apenas três outras instituições – D’Orsay, em Paris, Metropolitan de New York e a Glyptoteket, em Copenhaguen – possuem a coleção completa de bronzes de Degas. No youtube  “Samba de verão”com Paula Morelenbaum,  Joo Kraus e Ralf Schmid.

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