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O crime compensa?

Por Josalto Alves(*)

Em artigo publicado na Folha de São Paulo, em setembro de 2001, comentando o assassinato de Toninho, então prefeito de Campinas, o educador, psicanalista e escritor Rubem Alves, construiu a seguinte metáfora: “Era costume dizer: “O crime não compensa”. Isso era verdadeiro num mundo onde os pastores protegiam as ovelhas. Mas nossa situação é outra. Vale agora uma outra afirmação: “O crime compensa”. E compensa porque o Estado – pastor supremo – tornou-se um pastor sonolento, vagaroso, de cajado mole. O crime compensa por causa da impunidade. O crime se transformou num empreendimento econômico altamente lucrativo. E os que se dedicam ao negócio do crime não são os pobres, as vítimas das estruturas econômicas injustas”.

Recorro a essa lembrança diante da triste, lamentável, nefasta e aterrorizante história escrita na Bahia pela concessionária ViaBahia, durante longos 15 anos de descumprimento das cláusulas do contrato de concessão das rodovias BRs 324 e 116, zombaria aos baianos, e omissões criminosas que deixaram as autopistas sem iluminação e manutenção adequadas, dando causa a centenas, ou milhares, de acidentes e mortes!

E tudo isso diante da falta de ação da Agência Nacional de Transportes Terrestre (ANTT), tal qual um pastor sonolento, vagaroso, de cajado mole!

Pior ainda! Para que, finalmente, a ViaBahia aceite o rompimento do contrato, a ANTT aprovou uma proposta de indenizar a considerada pior concessionária atuando no Brasil, com R$ 892 milhões, quase R$ 1 bilhão!

A indecente proposta aprovada pela diretoria da ANTT, para a saída da ViaBahia, sem disputa jurídica, inclui indenização de R$ 681 milhões pelos ativos não amortizados, mais R$ 80 milhões como custos pelo encerramento da SPE (Sociedade de Propósito Específico) e renúncia pelos litígios, comprometendo-se a União a pagar R$ 131 milhões de financiamentos da companhia, continuando a concessionária a operar as BRs 116 e 324 na Bahia até o dia 31 de dezembro deste ano!

Além de representar socos no estômago e tapas na cara dos baianos, que durante 15 anos vem pagando pedágio caro por serviços não prestados, a proposta da ANTT é uma prova cabal de que o crime compensa!

Mas, que crimes teria cometido a ViaBahia?

A princípio, teria cometido crime de omissão e estelionato contratual!

A tese é complexa, e merece estudos.

Por que crime de omissão?

De acordo com o artigo 13, § 2º, do Código Penal, a omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado, mas não o faz.

Assim, por força contratual a ViaBahia tinha a obrigação de cuidado, proteção e/ou vigilância, e para isso tinha que manter as rodovias em condições seguras de tráfego, o que não fez, deixando-as sem as manutenções necessárias, dando causa a graves acidentes.

A concessionária ao assinar o contrato assumiu a responsabilidade de garantir segurança aos usuários das rodovias, mas com suas omissões criou o risco da ocorrência do resultado.

E por que estelionato contratual?

O estelionato é praticado, segundo o artigo 171 do Código Penal, quando alguém obtém, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento. Já o artigo 422 do Código Civil institui que os contratantes são obrigados a guardar e observar os princípios de probidade e boa-fé, sendo que é possível a utilização de contrato para o cometimento do crime de estelionato, tornando-se razoável a aplicação do artigo 171 do Código Penal àqueles que descumprem as cláusulas contratuais.

Parece-me que essa possibilidade aplica-se ao caso em tela!

Ou a bagatela de quase R$ 1 bilhão por serviços que nunca foram prestados, desrespeito e sofrimentos aos baianos não é vantagem ilícita, enriquecimento indevido e prejuízo aos cofres públicos????

Mas quem vai finalmente responder essa questão é o Tribunal de Contas da União (TCU).

A absurda e revoltante proposta aprovada pela ANTT, (o pastor sonolento da nossa metáfora), ainda não é martelo batido! Terá que passar pelo julgamento do pleno do TCU.

A esperança é que o pleno desta importante corte, que na nossa metáfora representa o Estado, (o pastor supremo, apesar de lento), não seja sonolento, mas saiba proteger as ovelhas (contribuintes), não aprovem essa vergonhosa proposta de indenização, e restaure a máxima de que o crime não compensa!

(*) Josalto Alves é jornalista e advogado

josaltoalvesadv@gmail.com

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