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Quem sabe revisitemos os anos 20, após a pandemia

Gerson Brasil, Secretário de Redação

Para Márcio Salgado

Nessa temporada inquieta, agitada, de pandemia – agitação dos nervos, da população; inquietude que prende a carne ao corpo, lhe impõe severas restrições, a mais abominável, a proibição da osmose entre corpos; o dia seguinte é visto como nada será como antes.  Ou seja, haveremos de ingressar num certo luto, um certo comedimento, mesmo relaxado.

Mas não foi isso que aconteceu depois da Gripe Espanhola, que matou 50 milhões de pessoas entre 1918 e 1920. Na verdade o começo se deu no final da primeira guerra mundial, em 1917. Na época, a ciência só dispunha de quinino, remédio usado no tratamento da malária.

Nos anos 20, o ocidente civilizado e até aqui os trópicos se derramaram em exuberância e não em depressão, e sim em festas grandiosas, com mulheres regadas a bebidas, sensualidade, em companhia de homens descalibrados; foram rotulados, equivocadamente, de a “geração perdida”

É a época de grandes escritores como o inglês T.S. Eliot e os americanos Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway e outros que se reuniam no bar do hotel Alongonquin a beber uísque em xícara de chá, para escapar da lei seca, que proibia a venda de bebidas alcóolicas. Numa mesa redonda l´s estavam Alec Woollcott, Robert Benchley, Doraty Parque, George Kaufman e Heywood Broun.

No Brasil a semana de arte moderna de 22 destronou o beletrismo e causou muita polêmica em torno de Villa-Lobos, Mário de Andrade, Anita Malfati, a inusitada revista Klaxon, o movimento antropofágico; davam adeus ao classicismo e inauguravam um novo jeito de pensar e fazer o Brasil, sintetizado em Oswald de Andrade: “Não quero saber do lirismo que não é libertação. Quero ensinar até o que não sei, quero o que não conheço”. Postura arrematada por Mário de Andrade: “está fundado o desvairismo”.

Claro, não será surpresa, pós pandemia, revisitarmos os anos 20, ou uma outra direção, quem sabe surpreendente. Um hiper sertanejo, axé, arrocha, a última música tresloucada e mais aqueles youtubers revolucionários (os estudantes caíram em desgraça depois de Maio de 68) a promover a morte da literatura e da arte, o derretimento de Darwin, da radiação de madame Curie e da tabela periódica de Mendeleev; a prisão da gravidade, por injúria, estelionato, charlatanismo e maldição, a abolição do sexo e o fim do capitalismo.

Todo trauma, como esse da pandemia, nos empurra para a região da memória e do esquecimento, mas com que grau vamos equilibrá-los? E como e o que vamos selecionar? É uma questão de difícil resposta, mas a história sempre marca o otimismo. Yosef Yerushalmi, em “Uso dos esquecimento” diz que do passado só são transmitidos os episódios julgados exemplares ou edificantes, para o caminho de um povo, tal como é vivido no presente”. Cada “Renascimento”, cada “Reforma” retorna a um passado frequentemente distante para recuperar episódios esquecidos ou negligenciados para os quais existe um súbito acordo, uma empatia”.

Ou seja, é colocar o esquecimento na reminiscência, que, ao contrário do que se pensa, nos atualiza e o que não pertence a escuridão nos empurra para um novo laço social, mas sempre no sentido do otimismo; mas isso não apaga, não deleta, o pessimismo. Há um ditado popular que diz: “seguro morreu de velho”.

Em “Da vaidade”, Montaigne anotou: “Parece-me que, quando o mal nos cerca de todos os lados é chegada a hora da frivolidade”, arrematando que “uma imaginação fortemente preocupada com um acontecimento pode provocá-la”.  Talvez o otimismo pertença a ordem do mundano, com suas “armas vulgares, mas invencíveis”, como diz a personagem de Proust, Violante, em “O Fim do Ciúme”. E o pessimismo ao arco das conjurações, explicações, em busca de um sentido “benigno”. É o trabalho sempre vigilante da memória, para nada esquecer. No entanto, Funes, o memorioso, de Borges, sabia tudo, o inglês, o francês, o português, o latim, todos os nomes, mas “suspeito, não era muito capaz de pensar”. No Youtube Nara Leão distraidamente canta Sabor a Mí.

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