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O novo proletariado se recusa a ser apadrinhado pelo Estado, na forma da CLT

Gerson Brasil

Secretário de Redação da Tribuna

Um “Levantamento sobre o Trabalho dos Entregadores por Aplicativos no Brasil”, conduzido pelo Núcleo de Estudos Conjunturais da Faculdade de Economia da UFBA, mostra uma realidade estafante de mais de 10 horas de trabalho por dia, por aqueles que recebem a designação de “uberistas”. Quase a metade dos entregadores ganha menos que 1 salário mínimo ao final do mês, sem quaisquer direitos como férias, FGTS, décimo terceiro etc. Mas é bom observar que a outa porção alcança rendimento na variação entre R$ 1.567,50 e 4.179,99.

Mas quando perguntados se gostariam de ter carteira assinada, e serem regidos pela CLT, 61,4% dos que trabalham com moto disseram não, assim como 35,5% dos bicicleteiros. O argumento é de que não gostariam de ter os rendimentos reduzidos e nem estarem presos a qualquer horário comercial.

Os “uberistas”, especialmente os de moto, recusam o apadrinhamento do Estado, a CLT, e se fixam na obtenção de rendimentos à margem da economia formal. Numa primeira observação, estaria esse novo proletariado com um alto grau de alienação, porque não se deixa capturar pelo mundo formal, numa exclusão de qualquer aliança, quer seja com partidos, sindicatos ou associações de esquerda. Uma recusa a serem representados por terceiros, talvez por não se enxergarem como fundamento de qualquer luta social.

A história também contempla disjunções e não se trata de aporia ao curso “natural” das lutas reivindicatórias, e nem o pitoresco. Na Inglaterra, entre 1760 e 1840, foram vendidas 218 esposas em praças públicas, mercados e tavernas, acontecimento anotado por E. P. Thompson em a “Venda das Mulheres”, como uma forma de divórcio. No relato da Sra. Dunn está posto: “Sim, eu fui casada com outro homem, mas ele me vendeu para Dunn por 25 xelins, e tenho tudo no papel para mostrar, com selo de recibo, pois não queria que as pessoas dissessem que estava vivendo em adultério”.

O ex-escravo Jourdon Anderson, em 1865, em Dayton, Ohio, após o término da escravidão nos EUA, só tinha olhos para os 25 dólares que ganhava. E quando seu ex-dono lhe propôs voltar para fazenda, Jourdon pediu US$ 11.680,00 de indenização, por 20 anos de trabalho sem nada ganhar, e mais salário de US$ 25, sem expressar nenhuma revolta. Continuou no emprego que tinha.

A recusa dos “uberistas” não encerra alienação e nem freio às contradições entre capital e trabalho e nem dá garantias de que essa relação não venha sofrer contestação. Claro, não no campo tradicional, a exemplo do “grito dos excluídos”, até agora inaudível para o Estado, mas a festa sanciona a incapacidade auditiva. Quem sabe, poderiam numa inflexão trocar o grito por fogueiras, sem usar as de São João.

A uberização difere do “bico” por estar também atrelada a grandes complexos empresariais, cada vez mais em busca de tornar a logística on line. Conglomerados, como “Mercado Livre”, e grandes grupos de varejo, apostam em reduzir o tempo de entrega da mercadoria e adotam esse modelo.

Seria difícil entender os “uberistas” como procurando transcender a condição humana, igualando-se a tentativa do narrador de a “Paixão Segundo G. H.: “Estou procurando, tentando dar a alguém o que vivo e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais”.
Ao recusar o Estado, os “uberistas” não apontam garantias de comportamento. Ou seja, ficam em aberto punhais, bolinhos fritos, outras recusas, resignações, enxaquecas, brutalidades et al.

No Youtube, a canção “É preciso perdoar”, de Alcyvando da Luz e Carlos Coqueijo, é revista na voz da italiana Rossa Bittolo e por João Gilberto, na harmonia próxima das banhistas despojadas de Renoir, às margens do Sena.

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