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Simplício

                                                            Para meu Pai (In Memorian)

Todo sábado era a mesma coisa. A sede do município de Pajeú de Flores, cravado no sertão pernambucano, ficava apinhado de feirantes que levavam suas pequenas produções para disputarem os fregueses que vinham de todos os cantos da região.

As estradas estreitas e as trilhas secas que cortavam a caatinga ficavam movimentadas com o ir e vir da gente miúda, dos animais e das juntas de carros de bois, vez que automóveis eram raros naquela época, principalmente pelas bandas do interior nordestino. Somente os coronéis, proprietários dos latifúndios canavieiros, podiam sacolejar naquelas novidades motorizadas, no chão batido das estradas poeirentas, ostentando poder e arrogância.

Simplício, como era conhecido Tranquilino Simplício, nas redondezas, tinha cumprido a rotina de toda semana. Bem antes de o sol despontar, como imensa bola de fogo, já havia iniciado a sua caminhada de seis léguas e meia até Pajeú, carregando meia cabaça de mel, dois ou três canários da terra num alçapão e um feixe de cana que recebera do patrão como parte do pagamento pelo trabalho semanal para tentar, lá na feira, escambar pela farinha, rapadura e, quem sabe, arroz feijão e um naco de carne seca, para forrar o estômago dos cinco badegas e da mulher.

O sol ainda estava a pino quando Simplício retornava da feira. Havia sido um dia de muita sorte, pois até duas garrafas de pinga dera para arranjar como parte da troca por um dos canários.

Lá vinha ele num cenário desolado e estorricado pela solina, com os mantimentos dependurados por sobre os ombros, transbordando alegria nos goles da branquinha que evaporava a cada légua da caminhada que deveria demorar quase o dobro do tempo da ida, por conta do efeito da maldita mandureba.

No meio do caminho viu alguma coisa faiscar distante, na beira da estrada. Parou, assuntou, e depois partiu desconfiado em passos trôpegos, na direção daquilo que reluzia nas vistas, como olho de coruja na escuridão do mato.

É uma pepita de ouro! Pensou feliz o pobre homem.

Aproximou-se e viu que pepita não era. Então, com um graveto, futucou o objeto estranho, verificando que permanecia inerte como bicho matreiro. Tomou mais um gole, secando o primeiro litro. Arremessou o saco e a garrafa vazia junto a um mandacaru e encheu-se de atitude para pegar aquela pequena caixa metálica a qual, em toda a sua vida, nunca havia botado vista uma vez que sempre viveu enfurnado em tamanho fim de mundo.

Era bonita e tinha uma pequena tampa. Abriu-a, verificando a existência de três ponteiros imóveis. Institivamente sacudiu aquele relógio de bolso dourado que, certamente, deveria ter despencado do bolso do colete de algum graúdo. Fechou o estojo, arrancou o saco que estava enganchado no espinhento mandacaru e, em seguida, jogou aquela coisa desconhecida dentro do saco da farinha de mandioca que levava em cima do ombro.

Sem calcular o valor do achado, voltou para a estrada, dando mais importância em matar a sede com mais alguns goles da fubúia e em vencer o resto da longa caminhada quando, de repente, começou a ouvir um estranho e repetitivo ruído a seguir os seus passos.

Tic…Tac…Tic…Tac…Tic…Tac…

Desconfiado, parou, olhou em volta do mato, apurou os ouvidos e atinou que o barulho vinha de dentro do saco e, sem se dar conta do estrago feito pelos espinhos, percebeu que a farinha havia minguado.

Azoado e com raiva, mergulhou a mão no meio da farinha que restou, pegou o roscofe dourado e, pouco antes de cair escornado na beira da estrada, arremessou-o bem longe no meio da cruenta caatinga, gritando:

Ôxente! Tu tá vivo é, seu fiu d’um cabrum? Tu tá comenu minha farinha, é? Vai cumê farinha nas quintas do infernu seu miserave!…

Jair Araújo – escritor

Membro Correspondente da ALACIB – Academia de Letras, Artes e Ciências Brasil, Mariana – MG; Membro efetivo da SPBA – Sociedade Brasileira de Poetas Aldravianistas e do INBRASCIMG – Instituto Brasileiro de Culturas Internacionais – Minas Gerais.

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