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Xeroftalmia da alma urbana

Vivia lá pelas bandas de Xique-Xique. Era um menino xibaro, desenxabido, xendengue. Acreditava em saci, mula-sem-cabeça, xifódimos. Nunca viu televisão, desconhecia a Xuxa, tampouco brincou de X-Men naqueles games importados, vindos da China e instalados em frente às escolas das grandes cidades. Seu melhor brinquedo era uma xipoca, usada para atormentar os passarinhos que se aninhavam nos umbuzeiros ao entardecer. Jamais tivera cartilha, lápis, cadernos. Nas suas traquinagens, fugia para pegar xarus e outros beiçudos com sua xarrasca na distante água do açude.
Vivia livre no xerofitismo do sertão cruento até o dia em que teve, como irmão mais velho, de seguir para São Paulo, na tentativa de conseguir o sustento dos seus. Levou o que tinha: uma peça de roupa surrada, chinelo, chapéu e esperança.
Xerocou dos gringos o hábito do malabarismo nas sinaleiras, em troca de uns minguados xenxéns. Capoeirista mais por necessidade do que por malandragem, em pouco tempo pegou xilindró, sofreu xingação e ganhou rótulo de xibungo. Ficou xucro como mula velha.
Nas noites de bares fervilhantes de banalidades, aprimorou a arte de ser ximão de olhar lânguido e distante, a xeretar os papos nas mesas fartas, na esperança da xepa. Era um menino xicono a anestesiar sua fome com xarope inalado. Um menino a buscar proteção na solidariedade dos seus comparsas, nos cantos sombrios das vielas impregnadas de xila da grande metrópole.
Era uma criança a exigir-se desumanamente na superação dos seus medos, a esconder-se dos seus fantasmas. Mas, como qualquer criança, chorava toda vez que ficava no escuro. Tremia feito vara verde no enxame da multidão atormentada pelo consumo. Encolhia-se em sua solidão e alimentava seu choro silencioso toda vez que, na intimidade das noites vazias, sonhava com seus pais, lá longe, nas terras de Xique-Xique.
Um dia, após anos de xetração pelas ruas da cidade grande, Xicó, corroído e corrompido pelo sofrimento, seguiu uma madame charmosa que vestia xantungue. No desespero da insanidade, derrubou-a do seu Luís XV, surrupiando-lhe a bolsa de cor champanhe. Foi um Deus nos acuda na porta do shopping. Um filete de sangue tingiu o meio fio, onde o corpo estendido ficou imóvel. Xicó correu feito xuri.
No afã do seu medo, Xicó fugiu por entre os automóveis, perseguido como uma presa a ser executada na selva da civilização. Por um triz, escapou.
Correu para a rodoviária e comprou passagem de volta para casa. Na Rua 25 de março, xavecou por roupa nova e um rádio de pilha. Pechinchou por um brinco e um batom; para o pai, uma camisa do Timão.
Fumou haxixe, ficou chapado. À noite, tomou xinapre e saiu com um bando de loucos para comemorar com a torcida da Fiel mais um título de campeão. Xumbergado, não resistiu à xeta da meretriz e foi dormir sua última noite num quarto xexelento no meio da boca-quente da cidade do chuvisqueiro.
De manhã, Xicó e a meretriz embarcaram para sua derradeira viagem, no rabecão do IML. Um policial xeleléu, metido numa camisa do Corinthians, lavrou o BO. O Secretário da Segurança Pública, cheio de chinfra, apareceu no noticiário das oito, falando do xuá de eficiência da polícia, dando por encerrado o caso da morte da mulher do delegado Xavier Chaves.

Jair Araújo – escritor/Membro Correspondente da ALACIB – Academia de Letras, Artes e Ciências Brasil, Mariana – MG e do INBRASCIMG – Instituto Brasileiro de Culturas Internacionais – Minas Gerais; Membro efetivo da SPBA – Sociedade Brasileira de Poetas Aldravianistas.

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